Medidas para mitigar o efeito de inflação e da guerra na Ucrânia são insuficientes. Medina promete "contas certas", apesar das críticas da Oposição de "austeridade".
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A inflação prevista de 4% para este ano será a pedra no sapato do novo ministro das Finanças. E, por muitas contas que se façam, o Orçamento do Estado para 2022, entregue ontem no Parlamento por Fernando Medina a Augusto Santos Silva, não evita que os portugueses percam poder de compra. Ou seja, parte dos ganhos que o Governo promete com a descida do IRS e outros impostos ou com as subvenções será absorvida pela inflação.
Em média, um salário de 1000 euros irá valer menos 40 euros por mês em termos nominais. E no caso da Função Pública, por cada 100 milhões de euros de salários pagos, os funcionários públicos perderão 3 milhões de euros devido à escalada de preços. E o impacto não é maior porque o Governo decidiu aumentar os salários da Função Pública em 0,9%.
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O Conselho das Finanças Públicas (CFP) alerta que as remunerações médias por trabalhador "deverão desacelerar para 3,2% em 2022, o que contrasta com uma expectativa de aceleração" da inflação para 4%. O próprio Ministério das Finanças, segundo o relatório do CFP, "antecipa uma redução da remuneração real média de 0,8% em 2022".
No fundo, o Governo admite uma perda de poder de compra dos portugueses e, por isso, avançou com medidas para mitigar as ondas de choque da guerra na Ucrânia e a crise inflacionária. O primeiro-ministro António Costa anunciou que estas medidas terão um impacto de 1,2 mil milhões de euros no apoio às famílias e empresas. Entre elas, destacam-se a baixa do ISP equivalente a uma redução da taxa de IVA de 23% para 13%, mas só até junho, e também apoios a empresas que usem gás de uma forma intensiva. Haverá igualmente apoios para as famílias, em particular as mais vulneráveis, através de diversos subsídios que visam mitigar o aumento do preço das botijas de gás e dos bens alimentares.
Corte nos salários
Medidas que, apesar de tudo, não acalmaram a Oposição, que centrou as suas críticas no tema da inflação. O PSD acusou o Governo de cometer "o erro capital" de não responder ao aumento da inflação nem ao "desafio principal do país", o crescimento económico, reiterando que o Orçamento do Estado traz "austeridade encapotada". Já André Ventura, presidente do Chega, considerou que o OE2022 "não foi preparado" para os efeitos da guerra na Ucrânia na economia e antecipou uma perda de rendimentos para os portugueses.
Por parte do Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua frisou que o documento vai representar um "corte real nos salários", acusando o Governo de ganhar com a inflação, mas não devolver à sociedade para a compensar. Para a Iniciativa Liberal, o provável é que vote contra porque o Governo não esclarece como o Orçamento "mantém o mesmo défice, gastando mais e sem cortar em nada", explicou João Cotrim Figueiredo.
Contas certas
Fernando Medina, em conferência de imprensa, disse acreditar que a inflação "é vista como transitória", sendo "esperado que estes efeitos se dissipem a partir do final do ano", reforçando que não é um Orçamento "de austeridade", mas sim de "contas certas". Pelo que, perante um cenário em que a inflação a nível mundial e europeu é um problema, "Portugal ainda tem uma dívida pública mais elevada do que aquilo que desejaríamos para fazer face a todos os desafios", explicou. Medina realçou que o Orçamento responde a seis prioridades fundamentais", elencando que pretende "prosseguir a consolidação orçamental, mitigar o choque geopolítico, reforçar o rendimento das famílias, apoiar a recuperação das empresas, investir na transição climática e digital e recuperar os serviços públicos". Em termos de cenário macroeconómico, o documento indica um corte para 4,9% do crescimento do PIB, as exportações a crescerem 13% e a taxa de desemprego a situar-se nos 6%.
Os cinco desafios de Medina
Baixar o défice para 1,9% do PIB
Com o avolumar de despesas para conter os efeitos do "choque geopolítico" da guerra na Ucrânia e dos preços da energia, o Governo diz que vai injetar na economia 1,8 mil milhões de euros. Daí que a prioridade seja a consolidação orçamental, com uma forte compressão do défice, de 2,8% do PIB, em 2021, para 1,9%, este ano.
Proteger rendimento das famílias
Em seis meses, o Governo viu-se obrigado a subir a meta da inflação para um valor quatro vezes superior ao estimado em outubro, de 0,9 para 4,0%. Para reforçar o rendimento das famílias, prevê um "alívio fiscal" (desdobramento de escalões do IRS), apoios à natalidade e aos jovens.
Dar às empresas e ao turismo
As empresas recebem a fatia de leão dos apoios, segundo o ministro. Mais de 30% dos 7,6 mil milhões do pacote anticrise vai para "apoiar a recuperação das empresas". Medina aludiu à força do turismo, por exemplo, apesar das sombras no horizonte que podem pôr em xeque a retoma.
Avançar com a ajuda do PRR
O "investimento na transição climática e digital", onde se incluem também melhorias na habitação, vale 1,15 mil milhões de euros, diz o Governo. O PRR vai ser a base desta iniciativa.
Recuperar da pandemia
As áreas dos serviços públicos de Saúde e de Educação ainda têm muito a recuperar da pandemia. O OE destina-lhes 700 e 900 milhões de euros, respetivamente.