É contra exames no final do Secundário e considera que o processo de certificação da escolaridade obrigatória deve ser independente do regime de acesso ao Ensino Superior. Para o presidente do Conselho das Escolas, o atual sistema subverte as aprendizagens limitando-as à preparação para os exames e alimenta o negócio das explicações. António Castel-Branco defende a criação de residências para professores pelas autarquias, o recrutamento pelas escolas e a profissionalização de licenciados que queiram dar aulas.
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O número de escolas com média negativa subiu de 10 para 27 em 2021 mas ainda está muito longe das 120 em 2019. É um reflexo dos exames apenas serem feitos para acesso ao Superior?
Penso que sim. Não tenho dados mas é óbvio que não sendo obrigatório para todos fazer exame, as médias sobem.
Com uma escolaridade obrigatória de 12 anos, devem existir exames no final do Secundário?
Pessoalmente sou contra o atual regime de provas para conclusão do secundário e acesso ao Superior. Devem ser processos separados. Há provas de aferição regulares para avaliar o que as escolas andam a fazer sem prejudicar os alunos porque verificamos que o Secundário, na via de cursos científico-humanístico, apenas serve para preparar para o exame final, para se ir para a faculdade e não pode ser. Os alunos têm de fazer determinado tipo de aprendizagens, desenvolver uma série de competências. Há todo um negócio à margem das escolas a viver à conta deste sistema que no meu entendimento não pode ser. Os alunos têm de fazer as aprendizagens nas escolas. Não condeno as explicações mas crítico o sistema que obriga a esse recurso. Se as pessoas fizessem conta ao número de horas que alguns alunos passam entre aulas e explicações, alguns já no 3.º ciclo, sem tempo para mais nada, é muito preocupante. Há 30 anos formaram-se bons médicos e não era preciso que tivessem 20 a tudo. Até porque a nota de exame não significa que vão ser bons profissionais. O sistema de acesso está viciado.
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As instituições de ensino Superior devem recrutar os seus estudantes?
Sim, é uma possibilidade mas teriam de se organizar para não acontecer como noutros países em que só quem tem mais dinheiro se pode candidatar a todas as universidades. Temos de garantir equidade. Deve haver articulação. O sistema de ingresso não pode é, como agora, subverter o Secundário.
Os novos indicadores estatísticos, criados pelo Ministério da Educação, refletem o trabalho das escolas?
A escola deve refletir sobre os seus resultados, apenas comparando-se com contextos similares, porque as realidades são muito diferentes. Incomparáveis. Há uma série de mecanismos de autoavaliação para as escolas irem monitorizando os resultados sem surpresas. Por exemplo, este ano ficámos sem duas das professoras de Português, no 9.º ano, e em mais de 200 alunos, apenas 50, tiveram aulas normalmente. Apesar dos apoios, essa realidade vai refletir-se nos resultados dos alunos nas provas do 9.º e esta variável nunca aparecerá nos indicadores.
Que lições foram retiradas da pandemia e ficaram na organização das escolas?
Uma mais valia foram as reuniões por videoconferência, facilita muito. Outra, é o uso muito mais frequente de aplicações digitais nas aulas por professores que antes usavam o computador como máquina de escrever ou para fazer apresentações de power-point. Mesmo a comunicação online entre alunos e professores, através das plataformas, para trabalhos, veio para ficar. Houve retrocesso nalgumas estratégias que dependiam do ensino presencial. Por exemplo, o nosso agrupamento [Ferreira de Castro, Mem Martins, Sintra] tinha deixado de funcionar com turmas pelo plano de inovação. Estávamos organizados em equipas. Não tínhamos diretores de turmas mas coordenadores de equipa e professores de referência para cada 12 ou 13 alunos. Fazia-se mais aprendizagens através de projetos, com muitas visitas ao exterior e os alunos podiam mudar de grupos consoante os trabalhos. Este tipo de projetos teve de ser suspenso e estão a ser lentamente retomados.
Que balanço faz do primeiro ano de aplicação do Plano de Recuperação das Aprendizagens?
Tem de se fazer uma avaliação. A ideia do plano foi muito boa. Houve mais horas e recursos mas não houve semana em que não tivéssemos dois, três ou quatro professores a faltar por covid-19 ou semana sem alunos fora da sala de aula. No 1.º ciclo, os professores de apoio tiveram de fazer as substituições e houve alturas em que não chegaram. Não há plano que resista a isto, agravado no caso de algumas disciplinas pela falta de professores. Por exemplo, tínhamos um plano de recuperação para Inglês que não concretizámos porque todos os professores ficaram com horas extraordinárias para fazer face ao não preenchimento de horários. Isto limitou muito a eficácia do plano de recuperação. Mas é preciso dizer que se não fosse o plano seria pior. Não se atingiu foi a eficácia que se poderia.
Tem conhecimento de alunos que fazem exames sem terem tido todas as aulas à disciplina?
Sim, sei que há. É óbvio que as escolas tentam recuperar e dar aulas extra mas uma coisa é o aluno ter nove meses de aulas sistemáticas e outra é ter seis e estar a ter aulas à pressão.
A falta de professores é o problema mais grave do sistema de ensino?
Não sei se é o mais grave. É um problema complexo com múltiplas causas. Uma das principais foi durante a permanência da Troika terem saído muitos professores das escolas. Até foram aconselhados a emigrar e conheço muitos que o fizeram, que reorganizaram as suas vidas e agora fazem falta. A aposentação aos 66 anos também atrasa a entrada de novos nos quadros. E depois há um fenómeno regional: há muitos mais docentes no norte, onde as escolas estão cheias, e mais vagas em Lisboa e Vale do Tejo ou no Algarve. Os professores para conseguirem trabalho vêm para o Sul com contratos, depois quando entram no quadro, querem voltar para o pé de casa. Cria-se uma movimentação em que as escolas do Sul estão sempre com falta de professores. Este problema foi agravado com a subida nos preços das casas.
Concorda com a criação de um subsídio alojamento?
Subscrevo o que o sr. ministro diz de que os professores devem ser colocados num sítio onde passem a viver mas é preciso ter em conta uma coisa: há professores a entrar nos quadros com mais de 40 anos, com família já constituída. Essa teoria é boa para quem é novo e ainda não tem filhos. Tem de haver incentivos à fixação, um deles pode ser residências criadas pelas autarquias. Um professor no início da carreira que ganhe líquido 1000 ou 1200 euros não consegue pagar duas casas. Isso faz com que haja rejeição de horários. Por outro lado, não saem das universidades professores em número suficiente para substituírem os que se reformam. E isso não tem só a ver com o número de lugares ao pé de casa, tem a ver com a atratividade da carreira.
Mas este já é um problema que carece de respostas imediatas.
Há muitos licenciados sem emprego, defendo que possam ir para a escola dar aulas e fazer profissionalização em serviço como há anos. Eu fiz. Um ano de formação teórica, outro de formação em sala de aula. Penso que é uma das medidas que também está a ser ponderada e que considero pode trazer muita gente para o ensino. Sei que há muitos puristas que estão contra isto mas grande parte dos professores ainda no ativo fizeram profissionalização em serviço porque nos anos 80, 90 não havia professores suficientes. A formação inicial também precisa de ser revista porque está muito longe da realidade das escolas. Grande parte da formação nas universidades é feita à moda antiga com metodologias de ensino tradicionais e depois queremos que cheguem às escolas e usem metodologias atualizadas - é um bocado difícil quando não aprendem.
As escolas devem recrutar os seus professores?
Sim para determinados projetos e funções. Já tivemos essa experiência que nalguns casos foi boa, noutros não. Como tudo, o modelo têm de ser regulamentado. O problema do concurso nacional igual para todos é só este: por vezes quem chega não tem perfil para lidar com determinado tipo de alunos. Aconteceu-me várias vezes, pessoas que chegam aqui e querem ter alunos como num colégio. Tem de haver apetência, talvez um sistema misto. Mas para as escolas contratarem têm de ser dadas condições para fazerem o recrutamento porque é um trabalho descomunal e não se faz mais nada. O processo teria de ser muito transparente e com critérios muito claros.
O processo de descentralização foi generalizado. Receia que as desigualdades regionais possam agravar-se?
É o alerta que fazemos na recomendação do Conselho das Escolas. Há concelhos onde o processo está a decorrer muito bem - Sintra, Cascais, Amadora ou Gaia, por exemplo. No entanto, a gestão do pessoal não docente, do edificado ou do património é muito diferente consoante a dimensão das autarquias por terem ou não capacidade financeira para avançarem com determinadas obras. Por exemplo, Sintra avançou com um programa de intervenção em todas as escolas. Há outras câmaras que não têm essa capacidade. Por outro lado, há também receio, e isso foi-me reportado, de câmaras que se tentam imiscuir na parte pedagógica das escolas, querendo escolher, nomeadamente, os projetos educativos. E mesmo quando é uma aposta ganha, como em Sintra, não sabemos como será face a uma mudança após eleições.
Portanto têm receio de ficarem reféns das sensibilidades partidárias?
Há sempre esse receio. Apesar de considerar que nas câmaras maiores ser mais difícil, porque esta gestão é tão pesada que as coisas têm de estar muito oleadas para as escolas funcionarem.
O Conselho emitiu alertas sobre a descentralização, defendeu a suspensão das provas de aferição e do 9.º e criticou as mudanças nas regras da mobilidade por doença dos professores. Considera que estão a ser pouco ouvidos?
Ouvidos estamos, não estamos é a ser seguidos. (risos). Vamos ver, a nossa posição é mais cómoda do que a do Governo, nós temos de dizer o que consideramos ser o melhor para as escolas, fazemos alertas, o Governo tem de tomar decisões políticas e estas foram tomadas num curto espaço de tempo.