Com a maioria das escolas encerradas por força da pandemia desde janeiro passado, não foram apenas as aulas que migraram para o digital. O convívio entre amigos viajou dos corredores e dos espaços de recreio para o mundo fértil da Internet, onde crianças e adolescentes dominam um sem número de plataformas que utilizam em ecrãs de diferentes polegadas.
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Sentada em frente ao computador e com o telemóvel pousado na secretária, Francisca Monteiro, de 14 anos, enumera mentalmente a quantidade de aplicações que utiliza no dia a dia.
"Se contar com o Zoom e com o Google Meet, tenho oito", detalha. No Facebook Messenger, tem o grupo dos escuteiros. No Instagram, estão os amigos da escola e, no WhatsApp, recebe as mensagens do centro de estudos. Mas há mais.
Como muitos adolescentes da sua idade, Francisca recorre ao Discord, uma plataforma focada sobretudo em mensagens de texto e voz, onde é possível criar canais de conversa entre amigos ou integrar grupos temáticos com milhares de participantes.
"Esta faixa etária está sobretudo no Discord, que é como se fosse a escola, mas onde a amplitude é enorme. Em vez de estarem a conversar pessoalmente uns com os outros, os adolescentes estão em vários grupos consoante os seus interesses", explica, ao JN, Paulo Rossas, diretor de Inovação da Lisbon Digital School.
As saudades dos amigos são, ainda, atenuadas através das videochamadas, que, apesar de divertidas, não se comparam à presença real. "Não é a mesma coisa. O que mais sinto falta é do contacto físico, dos abraços, de estarmos mais próximos", lamenta Francisca.
Capacidade de adaptação
Entre a escola e os treinos de atletismo, os escuteiros e a catequese, a estudante do 9.º ano da Póvoa de Varzim está online praticamente desde que acorda até que se deita. Uma realidade impossível de censurar pelos pais.
"A Francisca é muito autónoma. Como tem a semana bastante ocupada, eu e a mãe deixamo-la gerir o tempo livre como ela quiser", explica o pai. Carlos Monteiro considera que os filhos se adaptaram bem ao confinamento, mas a ausência prolongada de contacto real preocupa-o.
"O facto de estarmos confinados durante tanto tempo pode afetar as relações pessoais daqui para a frente. Acho que vamos passar mais tempo em casa e utilizar cada vez mais as ferramentas digitais".
Para os especialistas, as consequências da ausência física podem não ser irreparáveis. "Acredito que é uma falha temporária que será colmatada no futuro. As crianças e jovens são muito resilientes e têm uma grande capacidade de adaptação", defende Pedro Monteiro. O pedopsiquiatra explica, ao JN, que, apesar de o desenvolvimento das crianças estar "muito dependente da relação com os pares", estas vão conseguir superar com facilidade a falta de socialização imposta pela pandemia.
No entanto, o especialista alerta para a necessidade de os pais serem "mais ativos e afirmativos" e evitarem que as crianças com mais dificuldades de interação se isolem, mesmo depois do confinamento. "Os pais devem ser o fiel orientador das crianças nas suas atividades. Não podem deixar que uma atividade esteja a ser demasiado absorvente em relação às outras".
dar toques na bola
Se antes da pandemia, os pais de Pedro tentavam regular o tempo que o filho dedicava a cada atividade, a imposição de ficar em casa veio baralhar as contas.
"Agora, somos obrigados a deixá-lo em frente ao computador, porque não temos alternativa", reconhece Manuel Silva. Com o filho único no 7.º ano, o pai lamenta a extensa carga letiva que se estende depois aos trabalhos realizados online. "Este ano os professores estão mais exigentes. Passo grande parte do meu tempo a fazer os trabalhos da escola", relata Pedro.
Na pequena freguesia de Sande São Clemente, no concelho de Guimarães, o jovem de 13 anos aproveita as pausas para dar uns toques na bola no jardim de casa. Os intervalos das aulas, que eram passados a jogar à bola com os amigos, são agora mais solitários.
As partidas de futebol, que aconteciam no recreio, foram transportadas para o telemóvel através dos jogos online, mas é, com a bola no pé, que Pedro gosta realmente de estar. Rodeado pela natureza, joga sozinho e corre, pelo menos, três vezes por semana, para estar em forma quando regressar aos treinos presenciais.
Cinema e jogos online
Viver numa moradia com espaço ao ar livre é um privilégio que nem todos têm durante o confinamento.
Tiago teve que descobrir novas formas de se divertir no apartamento onde vive com a mãe, em Bragança. "Tentamos reinventar a normalidade. Sábado é dia de cinema. Fazemos pipocas, vemos e discutimos um filme que escolhemos", exemplifica Isabel Chumbo. Mas, por muitas atividades que façam em família, há situações impossíveis de compensar.
"A adolescência dele está a ser interrompida. Há uma série de experiências que não está a ter neste momento e que a vivência online também não lhe permite".
Com 13 anos, Tiago também está conectado com os amigos através do Discord e acompanha videojogos em direto. Uma tendência que Paulo Rossas destaca como uma das mais populares entre as crianças.
"Esta geração está sentada à frente do computador a assistir ao jogo e a falar com o 'gamer', que diverte os miúdos e interage diretamente com eles".
De acordo com o diretor de inovação da Lisbon Digital School, há todo um mundo ligado ao "gaming" e é através da plataforma Twitch que os jovens acompanham os "gamers" preferidos.
"A ligação vai do Twitch para o chat do Discord, onde são trocadas todo o tipo de ideias". Ainda assim, tal como Francisca e Pedro, Tiago não tem dúvidas: o convívio online "não é a mesma coisa" e faz falta correr pelo recreio da escola.