
O próximo passo é perceber se as novas linhas de tratamentos podem ou não ser aplicadas em seres humanos
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Um grupo de investigadores do i3S - Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade do Porto descobriu o mecanismo que "alimenta" os tumores pancreáticos, dando um importante passo para o desenvolvimento de tratamentos específicos para este cancro, que apresenta uma taxa de mortalidade elevada. O estudo foi publicado esta terça-feira na revista "Gut", da Sociedade Britânica de Gastroenterologia.
Liderada pela investigadora Sónia Melo, a equipa do i3S conseguiu, a partir de amostras de tumores pancreáticos de pacientes do Hospital de S. João introduzidas em ratinhos, decifrar o modo como se processa a comunicação entre as células responsáveis pelo crescimento do tumor, acabando por abrir caminho para duas linhas de terapias, interrompendo aquela ligação celular.
Ao JN, a investigadora explica que o trabalho permitiu perceber que as células estaminais cancerígenas, que são cerca de 6% no caso do cancro do pâncreas, são as responsáveis pelo crescimento do tumor e pela resistência deste à quimioterapia, ao darem instruções às outras células para que se multipliquem. Além desta informação, o estudo concluiu ainda que, impedindo a comunicação das células estaminais com as restantes, o tumor pára de crescer.
Bloquear a comunicação celular
"Sabíamos que as células comunicam entre si, e passam informação biológica entre elas, mas o que não sabíamos é como era esta comunicação, e quem falava com quem. O que descobrimos de novo, e o que foi interessante saber, é que são estas 6% que comandam todas as outras células, e que essa informação é essencial para o tumor poder crescer e resistir à quimioterapia. Se não deixarmos que as células estaminais falem com as outras, o crescimento do tumor diminui imenso e a quimioterapia funciona muito melhor. Quando cortamos a informação que vem destes 6% de células, os tumores deixam de crescer", detalha Sónia Melo.
Para poderem transmitir a informação, as células estaminais cancerígenas produzem vesículas extracelulares que contêm a proteína Agrin, a qual tem a capacidade de ativar a divisão celular e é enviada às restantes células, para que estas se multipliquem de forma descontrolada, gerando a massa tumoral. A investigadora compara: "as vesículas são como "sacos" em que as células estaminais colocam a proteína [Agrin], transportando-a para as outras células e aumentando a proliferação do tumor. Sabemos que, quanto mais vesículas destas houver em circulação no sangue, pior prognóstico tem o doente e maior é o risco de a doença progredir".
A investigação, que decorreu, em parte, no âmbito do Porto Comprehensive Cancer Center, um consórcio entre o i3S e o Instituto Português de Oncologia do Porto, abre, agora, novas possibilidades terapêuticas para o tumor pancreático, uma vez que permitiu concluir que a atividade das células estaminais que determinam a evolução do tumor pode ser bloqueada através da interrupção da comunicação com as restantes células, a partir de moléculas que inibem essa conexão celular, ou, então, neutralizando a proteína Agrin, com recurso a anticorpos.
"Inibindo a comunicação ou a proteína em si, o "output" final é o mesmo: a inibição do crescimento do tumor", resume Sónia Melo, que liderou a equipa que ao longo de cinco anos desenvolveu o estudo no âmbito da tese de doutoramento da investigadora Carolina Ruivo.
O próximo passo é perceber se as novas linhas de tratamentos apontadas com esta investigação podem ou não ser aplicadas em seres humanos. "Um dos objetivos é fazer a translação da investigação pré-clínica para a aplicação clínica. Ou seja, tentar iniciar ensaios clínicos. Estamos com muita esperança que o trabalho prossiga e consiga ser testado na clínica", adianta Sónia Melo, lembrando que o cancro do pâncreas "tem uma taxa de sobrevida muito baixa".
"É um cancro muito mortal, mas não é pela sua natureza", aponta a investigadora, referindo que este tipo de tumor está ainda pouco estudado, por não haver um número elevado de casos. "Estudou-se muito mais outros cancros do que o cancro do pâncreas, porque a incidência era baixa", refere Sónia Melo, sublinhando que "é preciso haver investigação para se perceber como funciona o tumor e melhorar o tratamento das pessoas".
