Uma família de refugiados ucranianos fugiu da guerra com jovem com paralisia cerebral. Desde agosto que têm um teto temporário e querem arranjar emprego para ficar em Portugal.
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Natalia Kotliavora, 46 anos, tinha uma vida confortável em Carcóvia, a segunda maior cidade da Ucrânia, onde geria várias lojas de roupa. A guerra obrigou-a a deixar tudo para trás. Quatro dias depois da cidade começar a ser bombardeada, fugiu com a família para Portugal, incluindo a filha, Sofia, de 19 anos, que tem paralisia cerebral e anda de cadeira de rodas. Vivem ambas, desde agosto, num anexo da garagem do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP) da Universidade de Lisboa, com a sua mãe, Tatiana, o padrasto, Anatolii, e a tia Valentina.
Queremos uma casa que não seja temporária
"O espaço nesta casa não é suficiente, mas é melhor do que o centro de refugiados onde vivíamos todos juntos num único quarto", conta Natalia. Apesar de agradecerem a ajuda da faculdade, não escondem a falta de condições da casa, onde só poderão permanecer até agosto. As paredes de cimento e o chão são frios e há humidade. O tempo passa e os preços por um quarto em Lisboa preocupam-nos. Por isso, não ficam de braços cruzados. "Já escrevemos cartas ao presidente [da República] e ao primeiro-ministro. Queremos uma casa que não seja temporária".
O plano é ficar em Portugal. "Amamos o nosso país mas, neste momento, não há forma de voltar. A Sofia tem necessidades especiais e todos os centros estão destruídos", lamenta Natalia.
Apesar de não falarem português, há uma palavra que Natalia e a tia Valentina, de 70 anos, pedem em uníssono: "trabalho". É o lhes falta. Por cuidar da filha e do resto da família doente, Natalia não conseguiu, até agora, encontrar uma proposta com horários compatíveis.
"Estamos à procura de um centro onde a Sofia possa ficar durante a semana. Já procurámos uma vaga em 24 centros nos arredores de Lisboa", mas até agora sem resposta. A jovem vai diariamente para um centro de dia em Moscavide. Durante quatro meses, antes de pagarem a um serviço para transportar a Sofia de manhã até ao centro e à noite para casa, Natalia e a filha chegaram a demorar mais de uma hora por dia em transportes públicos.
Apesar de no centro a Sofia poder socializar com outras pessoas da sua idade e de ser acompanhada por profissionais de qualidade, a mãe preocupa-se com a falta de tratamentos específicos para a jovem com paralisia cerebral. "A Sofia passa muito tempo no centro apenas na sua cadeira de rodas. Ela precisa de atividades especiais para a estimular, como a natação", diz.
A língua é também uma barreira. Natalia é a única da família a ter aulas de português. Valentina gostava de aprender a língua, mas os problemas de audição não o permitem. No curso oferecido pelo ISCSP, cujas aulas são lecionadas em russo, estão 25 ucranianos.
"Com os bombardeamentos em Carcóvia, sem eletricidade, água, aquecimento ou comida, decidimos deixar o país o mais rápido possível", relembra Natalia. Quando chegaram a Lisboa, foram recebidos pelo Conselho Português para os Refugiados (CPR) que lhes garantiu abrigo em São João da Talha, Loures. "Foi como por sinal de Deus que viemos para cá", diz, sorrindo, admitindo que não conhecia o país antes da guerra.
"Temos tido diferentes tipos de ajuda. O CPR tem-nos ajudado com o processo de documentação. É difícil porque em Portugal é um processo muito lento", lamenta Natalia. A família conta ainda com o apoio do voluntário Vladimir Shishko - também ele refugiado -, da Associação de Ucranianos de Portugal (AUP), da Santa Casa da Misericórdia, entre outras, para alimentação e roupa."Viemos apenas com uma mala e nada mais", conta.
Apesar de uma adaptação com altos e baixos, aqui sentem-se "a salvo". "Estamos a seguir em frente e contentes em Portugal".