Afastando qualquer problema diplomático entre Portugal e Espanha, o secretário de Estado das Florestas revela, ao JN, que ainda não foi debitada a água de que somos credores na sequência do incumprimento da Convenção de Albufeira. Que, diz João Paulo Catarino, não deve ser revista. O funcionamento da bolsa de água que não chegou ao Douro e ao Tejo é um dos temas a negociar na reunião de alto nível entre os ministros do Ambiente dos dois países, a ter lugar nos próximos dias.
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A água que Espanha não debitou no último ano hidrológico, ao não cumprir com os caudais anuais no Douro (-315 hm3) e no Tejo (-378 hm3), corresponde a 84% da água que entra, anualmente, no sistema de distribuição português. Tendo sido anunciada a criação de uma bolsa de água a nosso favor. A bolsa já está a funcionar?
Concluiu-se que o cumprimento, nomeadamente no Douro, implicaria para Espanha um esforço enorme, que a Portugal pouco ia adiantar, porque tínhamos as nossas albufeiras do Douro a 80% e muita dessa água iria diretamente para o mar. Fizemos uma avaliação, ponderada, de armazenar essa água do lado espanhol para alguma eventualidade. Tanto que, a 1 outubro, quando se iniciou o novo ano hidrológico, não sabíamos quando acabaria o período estival. Era mais avisado termos a água reservada do que acabar por ir para o mar.
Para evitar o que aconteceu, em 2019, no Tejo, com a descarga de Cedillo...
Precisamente para evitar isso. Obviamente, essa água virá para Portugal, mas que venha na altura em que a consigamos aproveitar do ponto de vista do caudal, da produção energética, rentabilizando o máximo possível. Espanha cumprirá com esse défice, mas não está definido ainda um timing, um dia ou uma hora para que isso aconteça. Ainda não foi debitada água.
Há um entendimento, sujeito à anunciada reunião de alto nível, de que libertam a água quando nós precisarmos dela? Isso tem em conta a luta interna pela água em Espanha?
Essas são as decisões que vão ser tomadas na reunião de alto nível entre os ministros do Ambiente de Portugal e de Espanha. Ocorrerá brevemente e essa questão, muito provavelmente, estará em cima da mesa. Perspetiva-se que ocorra antes da Cimeira Ibérica [agendada para 4 de novembro].
Falou do Douro, mas o Tejo está a 48,9%, numa situação mais crítica. A prioridade será regularizar o caudal do Tejo?
O Tejo é o tema mais sério, é uma questão estrutural. Do lado português, precisamos de uma maior resiliência, estando em curso um estudo para avaliar como o podemos fazer sem precisar tanto da água espanhola, porque mais de 70% da água que circula no rio Tejo, na fronteira até Constância, vem de Espanha.
O que está a ser estudado?
A concessão do Cabril termina a 31 dezembro deste ano e vamos abrir concurso para uma nova concessão que será já para fins múltiplos, o que nos vai permitir usar a água de forma diferente da que fazemos hoje, que é, essencialmente, para produção de energia. E isso pode permitir, também, que o novo concurso inclua investimentos que possam aumentar a água no Tejo. Um desses investimentos, que vai ser objeto de uma avaliação ambiental estratégica, será, eventualmente, uma nova barragem no rio Ocreza.
Em estudo há anos...
Estudo. Projeto. A avaliação ambiental estratégica vai estudar duas ou três soluções. O que está em cima da mesa é uma nova barragem no Ocreza ou, então, uma interligação para trazer água do Zêzere para uma parte mais a montante do rio Tejo.
Voltando ao incumprimento espanhol, já foi definida ou vão pedir uma compensação financeira pelas perdas na produção hidroelétrica?
Há sempre uma hierarquia dos usos. A nossa preocupação, mesmo do lado espanhol, foi garantir que o abastecimento humano está primeiro de que todos os outros. Obviamente, essas questões podem ser todas equacionadas a partir de agora.
Desde então, Espanha acionou o regime de exceção para o Tejo?
Não. E, a partir de outubro até agora, tem vindo a cumprir com o que está na Convenção de Albufeira.
Fica a ideia de que Portugal foi ultrapassado por Espanha nesta questão. Diplomaticamente houve algum problema?
Não houve problemas diplomáticos. Espanha tentou cumprir até ao limite, até tomar consciência de que se fosse cumprir ficaria com um problema gravíssimo do lado espanhol em algumas albufeiras. E, entre os dois governos, entendeu-se por essa solução. Só foi comunicado mesmo em cima do acontecimento, porque Espanha disse-nos sempre que iria fazer todos os esforços para cumprir.
Na reunião de alto nível , o que negociará Portugal em termos de revisão da convenção. Nomeadamente de caudais, quando os peritos avisam que podemos sair prejudicados face ao facto de haver menos água?
Continuamos a achar que não há motivo para rever a Convenção, apesar de alguns partidos, nomeadamente à Esquerda do PS, terem há muito tempo falado na revisão. A Convenção de Albufeira tem excecionalidades que podemos usar nos anos hidrológicos mais fracos, de menos pluviosidade. Numa conjuntura destas, provavelmente não vão dar-nos mais água se a expectativa é que terão menos. Achamos, sim, que podemos aperfeiçoá-la.
Com uma maior regularidade nos caudais?
Nas descargas diárias, uma maior regularização da libertação de água, monitorizando, de um lado e do outro, a quantidade e a qualidade da água. Isso acho que podemos fazê-lo. Mas Portugal tem três vezes mais disponibilidade hídrica do que Espanha. A redução da pluviosidade tem sido muito maior em Espanha do que em Portugal e temos também que ter consciência disso.
Voltando ao Ocreza, estão previstas mais barragens?
Os estudos que temos apontam para um défice na capacidade de armazenamento no Centro interior (o Ocreza) e no nordeste transmontano. Sendo que, no nordeste transmontano, onde há propostas de alguns municípios, pode passar pela interligação das barragens que já existem. No Centro interior, temos, também, a questão de Fagilde, uma lacuna na região de Viseu , que normalmente tem capacidade para um ano, quando a política do Ministério é de termos água, no mínimo, para dois anos sem chover. Nos casos onde isso não acontece, estamos a estudar soluções estruturais para termos essa garantia.