José Luís Carneiro, deputado socialista e ex-ministro da Administração Interna.
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José Luís Carneiro, que disputou a liderança do PS com Pedro Nuno Santos, garante que “há uma unidade estratégica” para vencer as legislativas antecipadas. Mas “também é importante que o secretário-geral tenha consciência de que este é um grande partido” e “muito diverso”. Uma vitória no dia 18 de maio exige “uma cultura de grande abertura, pluralismo, diálogo, confiança e proximidade, para dentro e para fora”. Já a AD deve, a seu ver, deixar claro na campanha o compromisso de que, se perder as eleições, ajudará a viabilizar um Governo do PS e o seu Orçamento. Para as presidenciais, não esconde que espera pelo avanço de António José Seguro.
O que deve orientar o PS na campanha para as legislativas?
O essencial é uma proposta política clara, uma equipa com prestígio, estatuto cívico e político, capaz de induzir uma relação de confiança com os eleitores e uma abertura política para alcançarmos algumas linhas essenciais ao futuro do país. Uma dessas linhas deve ser a procura do entendimento. Em segundo lugar, a compreensão dos pontos de vista diversos que se colocam hoje ao país e à sociedade. Essa compreensão levará a níveis mais elevados de confiança entre os atores institucionais, que por sua vez levarão à cooperação. E não falo apenas dos atores políticos, mas também de outros subsistemas, como o da Justiça, da relação com a Presidência da República, entre Governo e Parlamento, das relações entre partidos mas também dentro deles. Não podemos querer uma política de compreensão para fora, quando muitas vezes não prevalece dentro dos partidos.
As eleições antecipadas poderiam ter sido evitadas?
Pelo PS, tinham sido evitadas. Deu um contributo importante para a estabilidade. O PS viabilizou o Orçamento, já tinha viabilizado o programa do Governo, a Mesa da Assembleia da República e rejeitou duas moções de censura. O primeiro-ministro entendeu, após uma reunião do Conselho de Ministros, dizer que colocava nas mãos das oposições a confiança no Governo e que não daria mais explicações sobre aquilo que estava em causa. Portanto, as causas da crise são fundamentalmente do foro individual e privado. E o que está em causa é se aquelas atividades ou funções [na Spinumviva] colidem ou não com o exercício em exclusividade do cargo de primeiro-ministro. A falta de esclarecimento levou a que o PS tenha proposto uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) e a que o primeiro-ministro tenha apresentado uma moção de confiança, sabendo que não tinha respaldo na Assembleia.
Houve aqui alguma intransigência de ambas as partes?
A intransigência coloca-se quando o primeiro-ministro afirma que não prestará mais esclarecimentos. Em detrimento de esvaziar um problema que ainda não tinha a dimensão que veio a ter, a comunicação de Luís Montenegro foi fator de aceleração da crise política. É natural e desejável que as lideranças dialoguem entre si. Quando não o fazem, é expectável o exercício de uma magistratura de influência que é singular no nosso sistema constitucional. Se o presidente da República pudesse chamar os responsáveis dos dois principais partidos e criar um espaço de diálogo, talvez houvesse margem de recuo. Depois, viemos a saber que tentou persuadir o primeiro-ministro a não apresentar a moção de confiança. Mas, talvez embalado pelas sondagens, quis avançar com a moção. No dia da discussão no Parlamento, verificámos que, afinal, havia outros indicadores que mostravam que 80% dos portugueses que se manifestaram não queriam uma crise política. E houve a tentativa em cima da hora, que não contribuiu para o prestígio da instituição parlamentar, de evitar que ocorresse a votação. Era tarde e chegou a más horas.
Havia condições para o PS aceitar reduzir o prazo da CPI?
Teria sido possível e até desejável, caso os termos em que a proposta foi feita permitissem a sua avaliação. Mas, como foi dito pelo secretário-geral, não pode ser a entidade que vai ser inquirida a determinar os termos em que o escrutínio se pode realizar. Tive muitas reservas sobre o avanço de uma comissão de inquérito, perante aquilo a que tinha assistido no caso das gémeas, em tons inquisitoriais que desprestigiam o órgão parlamentar. Tive depois o conforto da explicação que me foi dada pela direção parlamentar sobre o agendamento potestativo para que o PS pudesse presidir à CPI de forma a limitar os termos das inquirições e evitar transformá-la num espaço de chicana política.
Essa intenção deve manter-se após as eleições?
Manifestei, no grupo parlamentar, posição contrária à continuidade da CPI. Sabemos também que a Procuradoria-Geral da República abriu o procedimento de averiguações preliminares e competirá às instâncias da Justiça averiguar os termos em que essas inquirições devem ocorrer.
Os socialistas estão ao lado do líder em todo este processo?
Estamos todos unidos com o objetivo de cumprirmos o nosso plano A: ganhar a confiança dos portugueses e vencer as eleições. E dar todo o apoio ao nosso líder. Mas também é importante que o secretário-geral tenha consciência de que este é um grande partido. É um partido plural e muito diverso. Estamos todos conscientes do dever e da responsabilidade que nos está confiada, mas esse dever também tem a ver com uma leitura muito clara do interesse do país. Uma visão programática para responder às necessidades da economia, nomeadamente na capitalização das empresas em termos de recursos humanos e financeiros, na modernização tecnológica e no apoio à sua internacionalização. E como é possível que tenha desaparecido do discurso público a economia do mar? Para além da economia, também as necessidades da saúde, da habitação, dos transportes, dos rendimentos, da segurança e da defesa. Depois, naturalmente, um partido que se apresenta com os seus melhores quadros, com as suas melhores potencialidades, e há muitas felizmente, no grupo parlamentar, nas autarquias, nas regiões autónomas e na sociedade civil.
A liderança de Pedro Nuno Santos também estará sob avaliação nas eleições de 18 de maio e dependerá do resultado?
Todos nós estamos sob avaliação, independentemente das funções que desempenhamos. Enquanto deputado por Braga, estou também sob escrutínio. Mas aquilo que é muito importante transmitir é que há uma unidade estratégica no PS que é vital no apoio ao secretário-geral e para fazer dele primeiro-ministro.
Deve haver um entendimento ou uma conversa prévia entre as esquerdas para acautelar condições de governabilidade?
A governabilidade é mesmo o tema que se vai tornar central depois das eleições. Em que termos é que se pode garantir uma fórmula política que dê estabilidade ao país. O PS deve ser um elemento proeminente, diria que deve ser um elemento charneira no contributo para as condições de governabilidade do país. O nosso objetivo é ganhar as eleições e temos o dever de constituir uma abordagem relativa ao programa do Governo. Mas também uma abordagem que tenha a ver com o suporte político a essa opção de Governo, que garanta a maior estabilidade possível. É necessário aguardar pela configuração parlamentar.
O PS deve estar aberto a entendimentos com o PSD?
Há áreas estratégicas do Estado relativamente às quais, independentemente dos resultados eleitorais, deve haver um compromisso estratégico de médio e longo prazo. Temos que ter compromissos claros sobre a forma como Portugal se posiciona na União Europeia (UE) e no âmbito das relações transatlânticas. É importante também que prevaleça um compromisso histórico que tem existido nas nossas relações com a comunidade dos países de língua portuguesa. E procurarmos, no quadro da UE, reafirmar a nossa função estratégica na relação com a África.
Mas admite um acordo para a formação do Governo?
A formação do Governo não pode ser anterior às políticas. Temos de colocar primeiro as políticas e só depois os entendimentos, sob pena de fazermos uma espécie de mercadejar de interesses.
Até onde pode o PS ir para garantir condições de governabilidade? Só deve assumir a chefia do Executivo se vencer?
O PS está a trabalhar para ganhar as eleições e devemos exigir à AD que assuma, em campanha, o mesmo compromisso que assumimos. Ou seja, que, perdendo as eleições, contribua para viabilizar um Governo do PS e o Orçamento, nos termos exatos em que o PS o fez quando o AD ganhou por escassos 50 mil votos.
As listas de candidatos a deputados devem, na medida do possível, ser as mesmas de 2024, embora condicionadas pelo processo autárquico?
Essa é uma matéria que deve suscitar um diálogo entre o secretário-geral e o coordenador das autárquicas com cada um dos candidatos, porque é necessário realizar uma avaliação política. Haverá circunstâncias em que os próprios entendem que devem estar totalmente libertos para a candidatura autárquica.
Está empenhado em ser de novo candidato a deputado por Braga ou por outro círculo?
Já manifestei essa disponibilidade ao secretário-geral. Estou totalmente disponível para continuar a dar o meu contributo, nos termos em que o PS o entenda, naturalmente com determinadas condições.
Que condições são essas?
São naturalmente objeto de diálogo com o secretário-geral, embora já tenha dado provas do meu sentido de missão e de serviço público nas funções políticas.
Gostaria que António José Seguro confirmasse a candidatura às presidenciais de janeiro?
António José Seguro tem vindo a afirmar uma vontade, embora não a tenha assumido, e parece-me cada vez mais clara. O perfil da sua candidatura começa a ganhar contornos mais definidos e singularmente importantes. Mas é preciso que aqueles que desejam ser candidatos assumam a candidatura para que os órgãos do partido tomem uma decisão. Não quero substituir-me ao secretário-geral nem à própria Comissão Política Nacional, mas, tendo em conta o contexto político e os termos em que António José Seguro tem vindo a marcar a sua singularidade pessoal e cívica na relação com o país, diria que tem vindo a ganhar terreno.
Coloca no mesmo patamar Seguro, António Vitorino e Augusto Santos Silva?
A grande dificuldade do PS tem sido a diversidade de hipotéticos candidatos, todos de grande valor intelectual, cívico e político. São três personalidades com muito mérito. Vamos aguardar por aqueles que efetivamente dão um passo em frente.
Voltará a ser candidato a secretário-geral do PS?
Estou totalmente cometido a esta responsabilidade de ajudar o secretário-geral a ser primeiro-ministro. Foi, aliás, o que lhe prometi no dia em que perdi as eleições e no dia em que fui ao congresso. Tenho esta lealdade. Assim como sou defensor do contributo do PS para a estabilidade no país, os militantes sabem que também sou fator de estabilidade dentro do partido. Mas não deixo de observar, de forma muito atenta, os deveres do PS em relação à sociedade. Agora, estou convencido de que vamos sair das eleições vencedores. O grande desafio que o PS tem, nas legislativas e nas autárquicas, é reconstituir a relação de confiança com os mais jovens e os setores mais dinâmicos da sociedade. Para isso, temos de ter uma cultura de grande abertura, pluralismo, diálogo, confiança e proximidade, para dentro e para fora. Os exageros da linguagem que estão hoje no Parlamento, infelizmente, estão muitas vezes dentro dos próprios partidos. É preciso que, nomeadamente aqueles que constituem o esteio democrático, tenham consciência de que cada vez que isto acontece, mesmo nas disputas internas, se agravam os níveis de confiança dos cidadãos. Há uma reforma profunda dos partidos a fazer e gostaria, se essa for a vontade dos militantes do PS e do secretário-geral, de dar o meu contributo.