O bispo auxiliar de Lisboa e presidente da Fundação da Jornada Mundial da Juventude (JMJ) 2023, Américo Aguiar, tem dito que o evento que se realiza entre 1 e 6 de agosto em Lisboa, com a presença do Papa Francisco, e onde é esperada a presença de 1,5 milhões de pessoas, é para todos os jovens, sejam católicos ou de outras religiões. O JN quis ouvir jovens de várias áreas sobre o que pensam desta iniciativa. Muitos preferem não comentar, mas quatro aceitaram dar a sua opinião. Os elevados custos associados e a falta de abertura a temas, como a crise climática, a sexualidade e a identidade de género, são mais valorizados do que a vinda do Papa a Portugal.
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Oportunidade de ter protagonismo
Na Academia do Porto, sente-se uma vontade de colaboração na JMJ. "Tem surgido algum interesse por parte de estudantes que querem ser voluntários tanto na semana do evento, como na que o antecede, para a receção dos jovens, uma vez que o Porto será uma das cidades que os irá acolher", contou Ana Cabilhas, presidente da Federação Académica do Porto, órgão que representa mais de 70 mil alunos. Para a estudante de 26 anos, "as jornadas são uma oportunidade única e participada para os jovens de todo o Mundo colocarem em cima da mesa os desafios e os entraves que sentem no seu dia-a-dia, mas também os projetos e os sonhos que tenham para o futuro".
Para Ana Cabilhas, o protagonismo que a iniciativa dá aos jovens é algo indispensável neste momento: "Quando os jovens passam por grandes desafios e dificuldades, e não há uma priorização política, é importante que haja um evento como a jornada para lhes dar um foco específico. Além disso, a jornada é uma oportunidade para os vários intervenientes que vão estar presentes assumirem compromissos".
Na semana antes do evento, a estudante do 2.º ano de mestrado em Ciências do Consumo e Nutrição espera abrir as portas da Academia do Porto, em colaboração com a diocese e com a Universidade Católica, aos peregrinos que ali cheguem e queiram conhecer a história e a cultura da instituição.
"A forma de abrir Portugal ao Mundo pressupõe uma visão que não existe em circuito fechado. Independentemente da sua fé, há estudantes e jovens que querem participar pela partilha de valores e princípios", apontou, ao JN.
Não obstante a polémica em torno dos custos da JMJ, a jovem salientou que a iniciativa "vai ser consequente na relevância que irá trazer às políticas jovens". "É aproveitar que viemos de um ano europeu para a juventude e que pouco se fez nesse sentido", advertiu.
Ana Cabilhas espera ainda que esta jornada possa servir "para criar ligações e redes com vista a projetos e ações futuras, de intercâmbio internacional, que convoquem jovens de todo o Mundo".
Outros temas e poupar custos
Nicole Pedro, 30 anos, é investigadora no Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade do Porto (i3S). O seu trabalho sobre o genoma de uma população da Papua Nova Guiné valeu-lhe, em 2022, o Prémio Jovem Cientista do Journal of Human Genetics.
Embora não tenha intenção de participar nas jornadas, Nicole Pedro reconhece que "os assuntos que vão ser abordados podem ser universais". Mas defende que o leque de temas que interessam à juventude poderia ser mais abrangente: "seria importante discutirem sobre questões sociais, como a maior abertura em questões de identidade de género e sexualidade, igualdade de género e prevenção de violência", sugeriu.
Para a jovem, ainda que esta não seja a melhor altura para se realizar as jornadas - "este dinheiro poderia ser uma grande ajuda para milhares de famílias portuguesas em dificuldades" - não se pode propriamente voltar atrás nas promessas feitas. "Resta que seja feito o máximo possível para reduzir os custos deste evento", afirmou.
Nicole Pedro diz que à sua volta tem-se deparado com a "revolta geral" contra os custos da organização,, o que é "expectável" neste momento. "É bom ver que a organização do evento tem tido a opinião geral em conta, e tenha começado a cortar nalguns custos", resumiu.
Não sinto que seja integrador
Maria Paixão, 26 anos, vive em Coimbra, onde estuda Direito. Juntou-se há cerca de um ano e meio ao movimento Último Recurso que visa prestar apoio legal aos ativistas e organizações ambientais e responsabilizar os que mais contribuem para a crise climática em Portugal. "É normal que este evento esteja muito associado à religião, mas não tenho sentido que seja integrador e que chame a atenção dos jovens mais desligados da religião até, quem sabe, de outras religiões", considerou.
Além disso, os próprios gastos em torno da iniciativa "acabam por alienar os jovens que têm dificuldades em começar a sua vida porque não conseguem suportar os preços das habitações", exemplificou. "Tenho visto as notícias e o debate em torno das jornadas com alguma frustração. Andamos há tantos anos a pedir ao poder político que sejam aplicadas políticas eficazes para combater a crise climática. O contra-argumento é que há outras prioridades, o que é compreensível. Mas não há dinheiro e depois para este evento há tantos milhões?", partilhou a jovem.
Ainda assim, Maria Paixão vê com algum ânimo o interesse que a Igreja tem vindo a ter em torno do ambiente. "Essa evolução tem sido interessante e parece-me benéfica, mas acaba por ser tratada como uma questão superficial, isto é, nunca se vai ao fundo da questão como olhar para o sistema que temos, no qual somos dependentes dos combustíveis fósseis". Na opinião da jovem, os setores do Mundo religioso ficam-se por um "debate em torno da crise climática que culpabiliza muito os indivíduos".
Embora a decisão de que Portugal seria o país a receber a JMJ não tenha sido tomada agora, Maria Paixão considerou "irónico o 'timing' que tem neste momento, com o aumento da inflação e a crise na habitação". Além disso, no que toca aos fenómenos resultantes das alterações climáticas, a jovem relembrou que "o ano passado foi marcado pela seca e cheias devastadoras". "Acaba por ser de certa forma paradoxal que seja tão dispendioso", defendeu.
Vaticano devia assumir custos
"Em princípio tudo o que une os jovens é sempre uma mais-valia. Dou o exemplo dos jogos olímpicos, onde estamos, maioritariamente, a falar de uma população jovem unida pelo desporto", defendeu a nadadora portuguesa Tamila Holub de 23 anos, nascida na Ucrânia.
Para a jovem atleta que representou Portugal nos Jogos Olímpicos de Verão de 2020, "faz todo o sentido que o evento possa acontecer". Ainda assim, sublinha que deveria "ser de acesso mais simples" para quem não é católico."Nós, atletas, estamos habituados a polémicas. Na minha opinião faz sentido que se reduzam os valores tendo em conta os tempos que vivemos e a situação económica que várias famílias atravessam", comentou a jovem, defendendo que o Vaticano deveria ter responsabilidade financeira na jornada. "Entra aqui a questão da história da jornada. O Vaticano tem muitos ganhos e deveria suportar mais responsabilidade financeira".
Tamila Holub gostaria que o voluntariado fosse um dos temas discutidos. "Não precisamos de mudar o Mundo, mas, se cada um começar com algo pequeno, como ajudar o vizinho ou dar uma aula de natação a alguém, já faz a diferença". Mesmo que esteja em Portugal nessa altura, este não é um evento ao qual iria. "A religião é algo intrínseco a cada um", resumiu, acrescentando que "se há pessoas para as quais as jornadas são importantes, estas devem poder acontecer".