O Laboratório Militar produz cerca de 50 medicamentos que a indústria desenvolve de forma intermitente ou que não existem no mercado nacional.
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A instituição do Exército assegura vários fármacos que são a única resposta para pessoas com doenças raras e que as farmacêuticas "não têm interesse" em produzir. Há um medicamento em concreto que é feito para menos de uma mão-cheia de pessoas - a doença de Menkes, cuja esperança de vida raramente ultrapassa um ano.
A coronel Margarida Figueiredo, diretora do Laboratório Militar, sublinha a missão da instituição no apoio à sociedade civil. "Devido aos interesses económicos da indústria, há medicamentos que deixaram de ser produzidos. No entanto, por solicitação dos hospitais civis, estamos a produzi-los", explica ao JN.
A indústria farmacêutica não prescinde apenas do desenvolvimento de medicamentos com pouca procura, lembra Margarida Figueiredo. No caso de substâncias mais populares mas com pouca margem de lucro - como a vaselina líquida, por exemplo -, o desinteresse mantém-se.
Os medicamentos para doenças raras que estão a ser atualmente desenvolvidos são a histidina de cobre (para doença de Menkes) e o citrato de cafeína (pneumologia neonatal). Por se tratarem de doenças pouco comuns, as quantidades produzidas estão "dependentes dos pedidos do SNS".
Por ter nascido com a raríssima doença de Menkes, dificilmente Gonçalo completaria, à partida, o primeiro ano de vida; no entanto, com o auxílio da histidina de cobre, cumpriu recentemente quatro anos [ler caixa]. É acompanhado por Anabela Bandeira, pediatra do Centro Materno-Infantil do Norte, que o ajuda a manter-se vivo, embora sublinhe que o medicamento não cura a doença.
"O menino está estável, mas estamos a falar de alguém com muitas dificuldades: não fala, não anda, está a ser alimentado por uma sonda nasogástrica... Mas está cá connosco, tem o carinho da mãe e tem alguma interação com ela, com sorrisos e algum contacto", diz Anabela Bandeira.
Dez casos de Menkes em 20 anos
A pediatra estima que, nos últimos 20 anos, tenha havido menos de dez casos de Menkes em Portugal. Os recém-nascidos com esta doença neurodegenerativa têm falta de força muscular, sofrem de epilepsia e são atreitos a fraturas e hemorragias. O cabelo "tipo palha-d'aço" é outra das características que mais sobressaem.
Helena Santos, do Centro Hospitalar de Gaia/Espinho, diz que, face à falta de cura, "o objetivo é dar a melhor qualidade de vida possível aos doentes". Até fevereiro, tratou de Tiago, outra criança que sofria de Menkes. Porém, a alguns meses de completar sete anos, o menino acabou por morrer.
A pediatra classifica a doença como "catastrófica" a nível do desenvolvimento psicomotor. O grau de que Tiago padecia era o mais grave; ainda assim, a criança reconhecia os pais e "fazia uma expressão diferente" quando os via. O medicamento "poderá ter contribuído" para controlar a epilepsia e fê-lo ter uma vida com poucos internamentos.
Por se tratar de "uma tentativa desesperada" de remediar a doença, Helena Santos consegue compreender que a produção de histidina não seja prioritária para a indústria. Anabela Bandeira também percebe que "quem produz tenha de, pelo menos, não ter prejuízo", embora considere "inconcebível" que um fármaco exista e não seja desenvolvido.
O medicamento acaba por ser um ténue consolo para os pais: "Sem ele, nenhuma criança sobreviveria ao primeiro ano de vida", garante Anabela Bandeira.
Não é uma cura mas ajuda
Ana Rocha teve uma gravidez tranquila. Gonçalo nasceu aparentemente normal mas, aos dois meses de vida, começaram as convulsões. Após internamento, foi-lhe diagnosticada epilepsia. "Medicaram-no e voltámos para casa, mas as convulsões continuaram", relata a mãe ao JN. Depois de um estudo metabólico, aos quatro meses, descobriu-se que era um dos raros bebés portugueses com a doença de Menkes. Ana garante que Anabela Bandeira e os restantes médicos têm sido "incansáveis" e sente-se "grata" pela existência da histidina de cobre. O medicamento regula a doença de Gonçalo, que tem hoje quatro anos. "Não é uma cura, mas ajuda", afirma Ana.
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De xaropes a hemodiálise
Os medicamentos produzidos são para hemodiálise, tuberculose, grandes queimados, sedação pediátrica ou anestesia para doenças otorrinolaringológicas. O Laboratório também desenvolve xarope comum.
14 mil toxicodependentes usam metadona
O narcótico, utilizado no tratamento da dependência de heroína, é produzido pelo Laboratório Militar, que fornece 26 mil saquetas e 250 frascos por dia a 14 mil toxicodependentes.