Vacina não é obrigatória, mas juristas defendem que recusa pode constituir crime de homicídio por negligência.
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Os funcionários dos lares que recusem ser vacinados e as instituições onde trabalham podem vir a ser condenados por homicídio por negligência, caso algum idoso morra após ter sido infetado com covid-19 dentro da instituição. A garantia é dada ao JN pelos especialistas em Direito Luísa Neto e Luís Gonçalves da Silva, apesar de a vacinação não ser obrigatória.
"Quando o idoso celebra um contrato com o lar, este tem o dever de vigilância, de cuidado e de adotar medidas preventivas face a uma situação de perigo", sublinha Luís Gonçalves da Silva. Caso a instituição não proceda dessa forma, o advogado e docente de Direito na Universidade de Lisboa garante que incorre nos crimes de negligência, de omissão de auxílio e de homicídio por negligência.
Gonçalves da Silva considera, por isso, que se o familiar de um utente processar a instituição pode ganhar o processo em tribunal, porque o funcionário, ao não ser vacinado, "colocou em risco a vida de terceiros".
É possível obrigar?
"Estamos a falar na recusa da vacina sem fundamento científico", observa. A menos que exista alguma "contraindicação médica ou outro pressuposto com idêntica relevância" que impeça a pessoa de ser inoculada.
"O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos disse que não há ilegitimidade na vacinação obrigatória, o que veio dar legitimidade para se dizer que pode ser imposta", assegura Luísa Neto, especialista em Direitos Fundamentais. Contudo, visto que a vacina é opcional, diz que se tem de analisar a questão sob o ponto de vista da colisão do direito ao trabalho com o direito à saúde pública.
Com base no princípio da proporcionalidade, a docente do Porto defende que "a vacinação é uma medida necessária, adequada e não excessiva". Além disso, acrescenta que a Constituição estabelece que "todos têm o direito de escolher livremente a profissão, salvas as restrições legais impostas pelo interesse coletivo ou inerentes à sua própria capacidade". Logo, entende que se um funcionário de um lar se recusar a tomar a vacina, pode ser despedido por justa causa, opinião que é partilhada por Luís Gonçalves da Silva.
"As direções dos lares têm a obrigação de zelar pela saúde e pela integridade física dos utentes", acrescenta Luísa Neto. Se não o fizerem, e se daí resultar a morte de alguém, garante que incorrem no crime de homicídio por negligência. Aliás, a jurista vai mais longe. "Se as pessoas não aderissem à vacina e não se chegasse à imunidade de grupo, e se o Governo não determinasse a obrigatoriedade de a levar, podia ser responsabilizado criminalmente".
"Este assunto é muito difícil para o Estado. Mas e se um familiar de um idoso, que morreu infetado, processar a instituição onde trabalha uma pessoa que recusou ser vacinada?", questiona Manuel de Lemos, presidente da União das Misericórdias Portuguesas. "Respeito os direitos, as liberdades e as garantias, mas e quando isso põe em risco os outros?", pergunta na sequência dos recentes casos de surtos em lares, alguns com mortes entre idosos vacinados. Em Faro, onde uma idosa reinfetada morreu, houve quatro funcionários a recusar a vacinação.
Lino Maia, presidente da Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade, acredita que, tendo em conta que a vacinação não é obrigatória, não há nada que os lares possam fazer. "Estou ligado à contratação coletiva e dei a indicação às instituições que devem pedir aos funcionários para serem vacinados, mas não os podem obrigar", esclarece. "Não os podem despedir, nem transferir para outros serviços".
"O que sempre ouvi dizer é que essa não seria uma razão para despedir. Por outro lado, os tribunais do Trabalho, por princípio, decidem sempre a favor dos trabalhadores", afirma João Ferreira de Almeida, presidente da ALI - Associação de Apoio Domiciliário, de Lares e Casas de Repouso de Idosos.
Questionada esta semana, a ministra da Saúde, Marta Temido, insistiu que "a vacinação é uma proteção para as próprias e útil para terceiros". "As nossas ações afetam todos os outros", insistiu.
Manuel de Lemos União das Misericórdias
Respeito os direitos, as liberdades e as garantias, mas e quando isso põe em risco os outros? E se amanhã um familiar de um idoso processar a instituição só porque uma pessoa não quis ser vacinada?
Lino Maia presidente da CNIS
Dei a indicação às instituições que devem pedir aos funcionários para serem vacinados, mas não os podem obrigar
Menos de 7% por vacinar
Manuel de Lemos, presidente da União das Misericórdias, revela ao JN que "no início, havia 7 ou 8% de funcionários que não se queriam vacinar, mas agora a percentagem baixou". "O problema é que, como acabou a vacinação nos
lares, os funcionários só são chamados pela idade".
Casos pontuais
Lino Maia garante que os funcionários por vacinar nas instituições sociais são "casos pontuais". Menos de 10%? "De certeza que sim".