Legislação do Governo de Cavaco faz depender de rácios populacionais instalação de diversos equipamentos para o tratamento do cancro.
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Os hospitais privados estão a ser impedidos de adquirir equipamentos médicos pesados, nomeadamente para o diagnóstico e tratamento do cancro, com base numa legislação publicada há 27 anos que impõe um limite de aparelhos por número de habitantes. A Associação Portuguesa de Hospitalização Privada (APHP) assegura que "o Interior do país está a ser penalizado" por um diploma que trava o investimento.
O presidente da APHP, Óscar Gaspar, afirmou na semana passada que a Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) está a chumbar pedidos de instalação de equipamentos PET (tomografia de emissão de positrões) - usados em Oncologia, Cardiologia e Neurologia - justificando as decisões com o normativo legal. A legislação é de 1995 e define critérios de distribuição territorial dos equipamentos médicos pesados em função do número de habitantes para hospitais públicos e privados. No caso dos PET só pode haver um por cada milhão de habitantes (ler mais na ficha ao lado).
Chumbo ao Hospital da Luz
"Isto penaliza essencialmente o Interior do país" porque, sabendo de antemão que não cumprem os rácios, nem sequer fazem a instrução dos processos, referiu, ao JN, Óscar Gaspar. O presidente da APHP adiantou que, há um ano e meio, o Hospital da Luz Coimbra viu o pedido de instalação de um PET ser negado pela ACSS com base na legislação de 1995. E assegurou que há mais exemplos no Grande Porto e Grande Lisboa. Há ainda unidades que têm de fazer vários requerimentos a justificar os pedidos de investimento até conseguirem aprovação. Refira-se que a legislação permite, em casos excecionais, fugir aos rácios equipamento/ população, com autorização do titular da pasta da Saúde.
O JN questionou a ACSS e o Ministério da Saúde sobre o número de pedidos chumbados e aprovados excecionalmente nos últimos anos, bem como sobre a razão dos rácios impostos em 1995 continuarem em vigor, mas não obteve resposta em tempo útil.
Em abril de 2020, a APHP enviou um ofício aos ministros da Saúde e da Economia alertando para a "desatualização absoluta dos pressupostos e dos critérios utilizados" na legislação de 1995, "seja pelos desenvolvimentos técnicos, pela evolução da medicina, seja ainda porque a realidade foi, nalguns casos, mais dinâmica do que o normativo". A carta, a que o JN teve acesso, nota que o que à época era considerado "equipamento pesado" é hoje um aparelho usual em qualquer hospital diferenciado. E acrescenta que "num número significativo de países europeus, não há quaisquer limites legais à instalação de equipamentos como os de angiografia digital, braquiterapia ou PET, sendo apenas necessário o respetivo licenciamento".
O ofício termina sublinhando que a alteração das regras permitirá reforçar o investimento e dotar Portugal com uma oferta tecnológica em linha com a Europa. O que assume especial relevância num momento de recuperação de atividade perdida com a pandemia. Dois anos depois, nada mudou.
Rácios limitam inovação
A resolução do Conselho de Ministros de 1995 diz que só pode haver um aparelho de angiografia digital por cerca de 250 mil habitantes; um equipamento de radioterapia por 250 mil e um de braquiterapia por meio milhão. O diploma limita ainda um PET a cada milhão de habitantes, uma câmara gama por cada 250 mil e um aparelho de radiocirurgia com gamma knife por cinco milhões de habitantes. A título excecional, a instalação do equipamento pode ocorrer com autorização do ministro.
Para evitar "subversão"
A resolução do Conselho de Ministros regula o Decreto-Lei 95/95 que, por sua vez, revoga um diploma de 1988. Neste, refere-se que na Saúde "a procura de cuidados é largamente determinada pela capacidade e características da oferta". E justificam-se os rácios com o papel do Estado de programar o que é criado no setor privado "sob pena de subversão, pela simples iniciativa de particulares, de critérios de prioridade", que só o Estado pode determinar na afetação de recursos.
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Carta de 2013 pedia atualização
A Carta de Equipamentos Médicos Pesados, publicada por um grupo de trabalho criado em 2013, alertava para a necessidade de atualizar a legislação de 1995, revendo a lista das máquinas que carecem de autorização e atualizando os rácios propostos.
Mudança de tutela
A APHP defende que o licenciamento destes equipamentos deve passar para o Ministério da Economia e Transição Digital e que, de acordo com as melhores práticas internacionais, não sejam exigidos rácios de capitação quando critérios clínicos (acesso, distância até ao exame) se lhes possam sobrepor.