Há desde 1958 regulamentação sobre construção sísmica, mas falta controlo sobre o que é realmente é aplicado no momento de construir novos edifícios e reabilitar os antigos. Risco de terramotos é maior no Sul e há milhares de prédios em risco. Especialista defende estudo sobre capacidade do parque habitacional para resistir a um abalo.
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A destruição vista na Turquia e na Síria após o sismo que fez dezenas de milhares de mortos seria pouco provável em Portugal devido à melhor qualidade de construção e onde existe regulamentação sobre a proteção sísmica desde 1958. Luís Guerreiro, professor do Departamento de Engenharia Civil, Arquitetura e Georrecursos no Instituto Superior Técnico (IST), em Lisboa, diz ao JN que os regulamentos têm de ser obrigatoriamente cumpridos quando se projetam e constroem edificações novas ou se reabilitam antigas, mas a realidade não é assim tão simples.
"Os regulamentos são mais do que suficientes. O problema é não haver controlo sobre a sua aplicação correta. A regulamentação tem alguma complexidade, e por vezes não é devidamente cumprida. Uma fiscalização adequada daria garantias de que não se cometem erros", explica o engenheiro, que é também membro da Sociedade Portuguesa de Engenharia Sísmica. "Não acredito que se cometam erros deliberadamente, mas também não acredito que não se cometem erros".
A primeira regulamentação que obriga ao cálculo sísmico nas construções foi aprovada em 1958, tendo havido mais tarde, em 1983, uma atualização da legislação. Como essa legislação técnica só se aplica a construção nova, foi emitida, em 12 de setembro de 2019, uma portaria sobre o reforço sísmico na reabilitação de edifícios.
Além de garantir que a regulamentação em vigor é aplicada, Luís Guerreiro defende que é necessário "consciencializar a população de que o risco sísmico existe, mas que não tem que ser uma catástrofe quando um sismo ocorrer".
Norte em menor risco do que Lisboa
Luís Guerreiro considera que a construção de "betão armado aparentemente de má qualidade" na Turquia e na Síria não é comum em Portugal, porém "é necessário fazer um levantamento cuidado do parque habitacional, começando pelas zonas de maior concentração populacional, por serem as de maior risco".
Relativamente à Região Norte, "as preocupações não deverão ser tão grandes", uma vez que a sismicidade nesta zona é inferior ao que acontece no Sul. "Os regulamentos atuais cobrem todo o país, com níveis de ação sísmica menos intensos à medida que caminhamos para norte", afirma o engenheiro, acrescentando que "a aplicação dos regulamentos não deve ser nem melhor nem pior do que no resto do país".
Já em relação aos edifícios em risco em Lisboa, Luís Guerreiro apoia-se na informação confirmada pela vereadora do Urbanismo Joana Almeida ao jornal "Expresso". "A vereadora da Câmara de Lisboa veio dizer que 50% dos 55 mil edifícios que existem em Lisboa estão em risco. Imagino que na restante zona sul do país a situação não seja muito diferente. Penso que as afirmações da vereadora dizem tudo".
Questionada pelo JN, a Câmara Municipal de Lisboa informou que cerca de 60% do edificado de Lisboa foi construído antes de 1958. A Autarquia tem em curso o Programa ReSist, programa de promoção da resiliência sísmica, e está a ser desenvolvida com o IST uma matriz de avaliação da resistência sísmica dos edifícios. Está também a ser preparada um carta da vulnerabilidade do edificado da cidade para perceber o índice de resistência das construções e ter uma noção exata da quantidade de edifícios que precisam de ser reforçados.
Associação de Proteção Civil desmente Carlos Moedas
Na quarta-feira passada, o autarca de Lisboa, Carlos Moedas, garantiu que a capital portuguesa está "extremamente preparada depois dos anos de 1980" em termos de engenharia e de construção. O presidente da câmara disse que Lisboa tem um programa municipal de promoção da resiliência sísmica do parque edificado privado e municipal e infraestruturas urbanas municipais, denominado ReSist, para "reforçar toda a proteção sísmica dos edifícios", incluindo "o mapeamento de todos os edifícios que não estão ainda reforçados".
Estas palavras caíram mal junto da Aprosoc/Associação de Proteção Civil, que assegurou tratar-se de uma "afirmação desprovida de qualquer verdade e que contraria aquilo que a comunidade científica vem alertando há vários anos". "A afirmação em causa é por isso em nosso entender falsa e ilusória, podendo criar uma falsa sensação de segurança onde ela não existe, sendo eventualmente por isso passível de enquadramento criminal", lê-se na nota.
A mesma associação diz ainda estranhar as declarações do bastonário da Ordem dos Engenheiros de que "o país e a cidade de Lisboa estão no que concerne à resistência estrutural dos edifícios, preparados para um sismo de grande magnitude". Segundo a associação de Proteção Civil, "não é aceitável" que o representante da Ordem dos Engenheiros "profira tão incomensurável despautério". "Não nos preocupa somente a resistência estrutural, mas também a resistência dos acabamentos que cobrem as fachadas de edifícios estruturalmente mais resistentes e, que se sem sismos caem frequentemente, com sismos podem gerar danos significativos", remata.