Três em quatro infeções hospitalares são evitáveis e podem matar ou roubar anos de vida aos pacientes. A pandemia de covid-19 trouxe novos hábitos às unidades de saúde nacionais, com o uso permanente dos equipamentos de proteção individual e o reforço das medidas de higiene, em particular da lavagem das mãos. Esse "enorme legado" pode ser decisivo, antevê José Artur Paiva.
Corpo do artigo
O diretor do Programa de Prevenção e Controlo de Infeção e das Resistências aos Antimicrobianos da Direção-Geral da Saúde (DGS) acredita que, se as boas práticas perdurarem, a "incidência de infeções associadas a cuidados de saúde vai acabar por diminuir".
A prevalência das infeções hospitalares já segue o sentido descendente em Portugal. Os últimos dados, recolhidos no inquérito da DGS à maioria dos hospitais, mostram que o número de doentes internados que adquiriram infeções reduziu de 11 para sete em cada cem pacientes entre 2011 e 2017. "No entanto, o espaço de melhoria é ainda enorme", sublinha José Artur Paiva, admitindo que nunca serão totalmente eliminadas, "até porque as intervenções são cada vez mais complexas" e os doentes mais idosos e frágeis.
Dia da Higiene das Mãos
São menos, mas mais letais. A resistência das bactérias aos antibióticos cresce de dia para dia e torna as "superinfeções" mais difíceis de tratar. Hoje assinala-se o Dia Mundial da Higiene das Mãos e este é um dos maiores aliados dos profissionais de saúde para conter as infeções nos hospitais, a par da etiqueta respiratória, da desinfeção dos espaços e dos equipamentos, das vacinas e da diminuição do uso e da prescrição de antibióticos.
A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE ) estima que estas medidas, incluindo a lavagem frequente das mãos, poderão salvar 859 vidas por ano em Portugal. Se nada for feito, as infeções podem matar 49 443 pessoas até 2050. Ora, a lavagem das mãos, a etiqueta respiratória e o distanciamento social são as medidas essenciais para conter a propagação do coronavírus. O diretor do programa nacional está certo de que as lições da pandemia farão escola no nosso país, em particular nos cuidados dos profissionais de saúde.
"A relação dos profissionais com os equipamentos de proteção individual passou a ser vista como um modo de estar, como uma inerência profissional, como aliás sempre devia ser vista. A adesão às boas práticas de higiene das mãos aumentou significativa e transversalmente, tanto na área de doentes de covid-19 como nas restantes. Portanto, em termos de práticas de prevenção e controlo de infeção, há que fazer perdurar o efeito da pandemia", entende José Artur Paiva. A diminuição pode não ser imediata devido à debilidade dos pacientes internados com covid-19, "mais suscetíveis a adquirir superinfeções bacterianas". Ultrapassado o surto e com a manutenção das "boas práticas", a prevalência das infeções baixará, acredita o médico intensivista.
Além de matar, as infeções podem deixar danos irreversíveis. "É relevante o número de anos de vida ajustados pela incapacidade perdidos devido a infeções: 11,6 anos por cada caso de sépsis neonatal, 5,8 por cada caso de infeção da corrente sanguínea e 1,4 por cada caso de pneumonia adquirida em cuidados intensivos".
Antibióticos nos hospitais abaixo da média europeia
Portugal está entre os cinco países da União Europeia com menor uso de antibióticos nos hospitais públicos, embora a tendência entre 2009 e 2018 seja crescente. A prescrição tem vindo a aumentar, avisa o Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças no último relatório sobre o consumo de antibióticos na Europa, publicado em outubro do ano passado. No entanto, se olharmos ao consumo comunitário desses fármacos, ficamos a meio da tabela, ligeiramente abaixo da média europeia. A prevenção de infeções hospitalares é fundamental para evitar o recurso aos antibióticos, adverte José Artur Paiva, ao JN. E só devem ser utilizados quando são estritamente necessários.
33 mil mortes por infeções na Europa
O Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças estima que as infeções resistentes a antibióticos matem 33 mil pessoas por ano na Europa. É uma ameaça crescente à nossa saúde.
Lavar as mãos salva vidas
É uma descoberta do século XIX, mas a pandemia trouxe essa consciência para a ordem do dia. O Dia Mundial da Higiene das Mãos celebra-se hoje e a Organização Mundial de Saúde dá foco ao trabalho das parteiras e enfermeiras.