Os Estados Unidos cancelaram ao Instituto Superior Técnico um programa nas suas instalações de divulgação da cultura americana, por não ter respondido a um inquérito sobre ligações a organizações terroristas. Outras cinco universidades receberam as perguntas, que o Conselho de Reitores considera "intoleráveis".
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O presidente do IST, Rogério Colaço, disse à agência Lusa que recebeu em 5 de março a comunicação do cancelamento, com "efeito imediato", do programa "American Corner" e, no mesmo dia, um inquérito com "questões bastante desadequadas" sobre se o IST colaborava ou não, ou era citado ou não em acusações ou investigações envolvendo associações terroristas, cartéis, tráfico de pessoas e droga, organizações ou grupos que promovem a imigração em massa.
"O Técnico respondeu que não iria responder ao questionário porque nao se adequava a uma instituição de ensino superior pública sujeita a escrutínio público e legal de um país democrático membro da União Europeia", afirmou Rogério Colaço.
Segundo o presidente do IST, a comunicação do cancelamento do programa, seguida de um questionário, cita uma determinação emanada do Departamento de Estado norte-americano.
Em Portugal, os chamados "espaços americanos" ou "american corners", financiados pelo Governo norte-americano e que a Embaixada dos Estados Unidos em Lisboa descreve como "centros de informação e cultura", são seis e funcionam todos em instituições universitárias.
Além do IST, as universidades dos Açores, Aveiro, Porto (Faculdade de Letras), Lisboa (Faculdade de Letras) e Nova de Lisboa (Faculdade de Ciências e Tecnologia) têm estes espaços.
No IST, o "American Corner" funcionava há mais de dez anos e, de acordo com Rogério Colaço, promovia palestras, encontros e atividades de "divulgação e de cariz científico". O financiamento anual rondava os 20 mil euros.
Perguntas “intoleráveis”
Segundo Paulo Jorge Ferreira, reitor da Universidade de Aveiro e presidente do Conselho de Reitores, as seis universidades portuguesas que até agora têm beneficiado de financiamento dos EUA, através do programa "American Corner", receberam uma inesperada comunicação da embaixada norte-americana, com a rescisão unilateral das subvenções em vigor, caso não fosse preenchido um formulário com perguntas tidas como “inadequadas”.
Do mesmo figuravam perguntas como “se não trabalham com entidades associadas a partidos comunistas, socialistas, ou totalitários”, ou ainda se receberam financiamento da República Popular da China, incluindo os institutos Confúcio, da Rússia, Cuba, ou Irão.
“O Conselho de Reitores discutiu o assunto e as perguntas, pela sua natureza, configuram uma intromissão intolerável na autonomia das instituições e na sua liberdade de investigação e da ação académica”, disse à Lusa.
Paulo Jorge Ferreira salienta que o programa American Corner “tem mais de dez anos de atividade, sem qualquer incidente, e tem sido impulsionador na comunicação da Ciência”.
No caso de Aveiro, o reitor diz que “o valor do financiamento é pequeno” e tem até a ver com o interesse americano na promoção da cultura americana.
“Concedo totalmente ao financiador a legitimidade para decidir continuar ou cessar esses financiamentos, mas o que não me parece correto é condicionar as instituições ou pedir-lhes que informem acerca de coisas que são ofensivas para a sua independência e para a sua liberdade académica”, reagiu.
O diretor da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (FLUL), Hermenegildo Fernandes, disse à Lusa que recebeu o mesmo questionário, que o deixou estupefacto pela "dimensão do descaramento" das perguntas, nomeadamente sobre "agendas climáticas", se a instituição tinha "contactos com partidos comunistas e socialistas" ou "relações com as Nações Unidas, República Popular da China, Irão e Rússia" e o "que fazia para preservar as mulheres das ideologias de género".
A faculdade optou igualmente por não responder ao questionário, notando que "a sua dependência é com as políticas científicas de Portugal e da União Europeia", adiantou o diretor da FLUL, sem clarificar se o programa "American Corner" foi cancelado ou não à faculdade, que tem um "espaço americano" a partilhar instalações próximas com o Instituto Confúcio, entidade oficial da China que promove a cultura e a língua do país.
Contactada a Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, a direção da instituição indicou à Lusa, sem mais detalhes, que o "American Corner" é "um projeto anual que terminará em setembro". Adiantou ainda: "estamos a avaliar a hipótese de nos candidatarmos à continuação do projeto ou não".
Das universidades do Porto e Açores não foi possível à Lusa obter esclarecimentos.
Embaixada salienta "excelentes relações"
"Temos excelentes relações com todos os seis 'american corners' e continuaremos a colaborar numa série de programas e iniciativas que promovam os nossos objetivos comuns", disse a porta-voz da embaixada norte-americana em Lisboa, Marie Blanchard, sem responder diretamente a uma questão da Lusa, mas enaltecendo que os espaços americanos "demonstram o poder inigualável dos Estados Unidos como líder económico e de inovação".
A Lusa questionou a embaixada se, no seguimento dos cortes anunciados pela administração Trump ao financiamento de universidades e agências científicas, o programa "American Corner" iria ser afetado, e em que moldes.
De acordo com o portal da Embaixada dos Estados Unidos em Portugal, os "espaços americanos" totalizam mais de 600 em mais de 140 países e estão localizados, designadamente, em universidades, centros comerciais, bibliotecas e instalações de embaixadas.