Falta criar figura do coordenador clínico que implica alteração legal aos estatutos da SPMS.
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A abertura da linha de prevenção do suicídio, que estava prevista para o final do primeiro trimestre, está suspensa até à constituição do próximo Governo. Em causa está a necessidade de criar a figura do coordenador clínico, uma novidade que implica a aprovação de um diploma legal para alteração dos estatutos da Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS), algo impossível na atual conjuntura política.
Em resposta ao JN, o Ministério da Saúde esclareceu que “apesar desta área merecer forte atenção” e “apesar da formação dos profissionais estar em prossecução, verifica-se, contudo, que a atual realidade política condicionou a abertura desta linha ao público".
A tutela adianta que “a necessidade de contratação de um coordenador clínico para a linha implica alterações nos estatutos da SPMS, impossíveis de realizar no atual contexto político e impactando, por isso, com o início de funcionamento da mesma”.
“Está tudo feito, só falta a portaria”, resumiu, ao JN, Ana Matos Pires, membro da Coordenação Nacional das Políticas de Saúde Mental (CNPSM), estrutura responsável pela operacionalização da linha.
A regulamentação da lei 17/2024 de 5 de fevereiro, que cria a linha nacional para a prevenção do suicídio e de comportamentos autolesivos, também está pronta e a formação do primeiro grupo de profissionais já terminou, acrescentou Ana Matos Pires.
No total já estão formadas 22 pessoas, entre psicólogos e enfermeiros especialistas em enfermagem de saúde mental e psiquiátrica. “O mínimo para assegurar uma resposta 24 horas por dia são cerca de 60 pessoas”, indica. A formação, feita pela Sociedade Portuguesa de Suicidologia, prossegue esta semana e só não andou mais depressa porque já se sabia deste constrangimento. Ainda assim, a CNPSM quer deixar tudo pronto para o próximo Governo.
A psiquiatra explica que a linha segue as orientações da Organização Mundial da Saúde e baseia-se no modelo francês, que entrou em funcionamento em 2022, “adaptado à realidade portuguesa”.
E a exemplo do que acontece na linha francesa, a linha nacional de prevenção do suicídio também terá um coordenador clínico e científico. “É uma pessoa responsável pela atualização e desenvolvimento do trabalho feito, é como um diretor clínico”, explica, notando que tal cargo não existe em nenhuma outra linha do SNS, razão pela qual tem de ser criado de raiz, implicando alterações nos estatutos da SPMS.
A supervisão dos casos e o apoio e acompanhamento dos profissionais “porque a temática é complicada” são outras tarefas do coordenador clínico que “terá de ser uma pessoa com qualificações específicas em suicidologia”.
Avalia e encaminha
Ana Matos Pires adianta que a linha vai funcionar 24 horas por dia e destina-se a três grandes áreas: pessoas em risco e/ou com ideação suicida; pessoas que estão a presenciar uma tentativa de suicídio ou com alguém em risco de suicídio; e os familiares de pessoas que se tenham suicidado.
A linha tem um fluxograma de encaminhamento, através do qual está prevista uma articulação com o INEM, com os serviços de urgência, com os cuidados primários e com os serviços de saúde mental.
“Não é uma linha de apoio, é uma linha de emergência que faz a avaliação do risco e faz o encaminhamento, de acordo com guidelines internacionais”, sublinha Ana Matos Pires.
Notando que o suicídio é “um comportamento felizmente raro em Portugal”, a psiquiatra faz questão de frisar: o objetivo da linha é “diminuir as tentativas e os suicídios, mas o suicídio nunca será igual a zero porque é um comportamento humano”.