Primeiro semestre mostra quebra inédita nos últimos 30 anos. Foram feitos menos 4474 "testes do pezinho".
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Todos os distritos de Portugal continental, incluindo os arquipélagos da Madeira e dos Açores, registaram uma descida no número de bebés rastreados nos primeiros meses de 2021, face ao mesmo período do ano passado, de acordo com os dados do Programa Nacional de Rastreio Neonatal (PNRN). Em números absolutos, a descida foi maior em Lisboa (menos 1270 nascimentos) e no Porto (menos 699). Mas foi na Guarda (-27,1%) e em Braga (-15,8%) que a variação percentual no número de recém-nascidos, a quem foi feito o chamado "teste do pezinho", teve uma redução mais acentuada, comparando com o ano de 2020.
Dos quatro distritos acima referidos, três (Lisboa, Porto e Braga) são os que registam mais bebés examinados nos primeiros seis meses de 2021. Já Guarda e Bragança estão nos últimos lugares.
Os dados do Instituto Nacional Dr. Ricardo Jorge (INSA), com uma taxa de cobertura de 99,5%, não revelam uma perspetiva animadora em termos demográficos para Portugal, especialmente no segundo ano da pandemia. Comparativamente a igual período do ano passado, entre janeiro e junho de 2021 foram registados menos 4474 "testes do pezinho", num total de 37 675 rastreios realizados.
O ano de 2021 destaca-se, assim, por ter o período semestral em que foram registados menos nascimentos nos últimos 30 anos. Entre 1989 e 2021, apenas os primeiros seis meses dos anos de 2013 e 2014 tiveram menos de 40 mil recém-nascidos rastreados pelo PNRN: 39 063 e 39 791, respetivamente.
Um recorde mínimo
A demógrafa Maria João Valente Rosa explica que os números não surpreendem devido à "instabilidade presente". "Os bebés de que estamos a falar não foram concebidos em 2021, grande parte deles foi concebida em 2020, entre abril e setembro/outubro, em plena crise pandémica", adiantou à Lusa. A confirmar-se a tendência dos números do INSA no segundo semestre do ano, a especialista prevê "um recorde mínimo histórico de nascimentos" em 2021.
Os distritos do litoral e com grandes malhas urbanas e uma elevada densidade populacional continuam a assegurar grande parte dos nascimentos em 2021, como é o caso de Braga (2765), Setúbal (2747) e Faro (1956), além de Lisboa (11 208) e Porto (7008 ). Em sentido contrário estão Bragança (253), Portalegre (269) e Guarda (282), que registam o menor número de nascimentos em igual período. Os primeiros dados do Programa Nacional de Rastreio Neonatal mostram ainda que, nos primeiros seis meses de 2021, foi durante março que se realizaram mais "testes do pezinho" (6978). Já fevereiro foi o mês com menos rastreios neonatais, num total de 5602.
Peso dos estrangeiros
A pandemia da covid-19 veio adiar os planos de muitas famílias portuguesas, mas também o regresso a casa de muitos estrangeiros pode estar a contribuir para a diminuição da natalidade em Portugal.
A demógrafa e professora da Universidade Nova de Lisboa adianta que 13% dos nascimentos registados em 2020 no país foram de mães estrangeiras. "Uma almofada extremamente importante para o número de nascimentos", diz Valente Rosa.
No ano passado, 85 456 recém-nascidos foram rastreados pelo INSA. É preciso recuar até 2015 para encontrar um número de nascimentos na "casa" dos 85 mil. 2021 não deverá ultrapassar esta marca.
Pandemia adia planos para ter filhos
Para várias famílias, a instabilidade financeira motivada pela crise económica da covid-19 pode ter retardado a perspetiva de alargar a família nos próximos anos. É "um momento particularmente crítico para quem faz planos para o futuro, como é o caso de ter um filho", diz Maria João Valente Rosa. Para a demógrafa, é necessário dar ainda contexto aos números, mas teremos de nos "habituar a uma situação de descendências reduzidas, abaixo do limiar que garante a substituição de gerações".
Saber mais
Doenças rastreadas
O Programa Nacional de Rastreio Neonatal (PNRN) atenta em 26 patologias: hipotiroidismo congénito, fibrose quística e 24 doenças hereditárias do metabolismo.
Exame
O "teste do pezinho" é feito através da retirada de umas gotículas de sangue do pé do recém-nascido entre o terceiro e o sexto dia de vida.
Cobertura
A iniciativa do Instituto Nacional Dr. Ricardo Jorge (INSA) tem uma taxa de cobertura de 99,5%. Existe desde 1979 e já permitiu detetar doenças em mais de 1600 recém-nascidos nas primeiras semanas de vida.