O parágrafo que levou à demissão do primeiro-ministro foi escrito pela própria procuradora-geral da República, Lucília Gago. A revelação coloca mais pressão sobre a responsável máxima do Ministério Público (MP), que esta sexta-feira cumpriu o 11.º dia de silêncio acerca do caso.
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O número de socialistas incomodados com a falta de explicações está a crescer: depois de Santos Silva, esta sexta-feira foi a vez de o ministro das Finanças, Fernando Medina, e do deputado e ex-secretário de Estado Lacerda Sales pedirem um “esclarecimento muitíssimo rápido” sobre a investigação a António Costa.
Mas não são só figuras do PS a fazê-lo. Ao JN, Cândida Almeida, ex-diretora do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), aconselha Lucília Gago a “esclarecer a sua posição”, até para preservar o seu“prestígio”. Adão Carvalho, líder do Sindicato dos Magistrados do MP (SMMP), frisa que a procuradora “não é uma comentadora”, mas reconhece que o MP deveria ter “gabinetes de comunicação” para se articular melhor com os media.
Segundo o “Expresso”, foi a própria Lucília Gago a acrescentar o parágrafo fatal ao comunicado emitido pela procuradoria-geral no dia 7, logo após ter ido a Belém falar com o presidente da república, e pouco antes da demissão do primeiro-ministro. Marcelo diz que foi Costa que lhe pediu que chamasse a PGR à Presidência.
Lucília Gago, que está a menos de um ano de terminar o mandato, terá receado que, caso não o revelasse, fosse mais tarde acusada de ter querido proteger Costa.
"Comunicado por antecipação", diz líder do sindicato do MP
Esta sexta-feira, Medina disse esperar um “esclarecimento muitíssimo rápido” do caso. “É absolutamente essencial [haver] uma clarificação, o mais rápido possível, do que ficou escrito num parágrafo”, referiu.
Em entrevista ao “Observador”, Lacerda Sales citou a lei para instar o MP a reagir: “Por que é que ainda não houve o arquivamento do processo, de acordo com o Código de Processo Penal, artigo 277.º, número 1? Se me souberem responder agradeço, porque sou cidadão e gostaria de ser esclarecido. Se não souberem, é muito grave e deverão tirar as devidas consequências e ilações”, afirmou.
Vital Moreira, constitucionalista e ex-deputado do PS, tem sido das vozes mais ativas contra o processo. No seu blogue “Causa Nossa”, classificou-o como “inventona” do MP e mesmo “golpe de Estado”. O JN contactou-o, mas Vital Moreira não quis prestar declarações.
Cândida Almeida considera que, embora Lucília Gago mantenha “toda a legitimidade” para ficar no cargo, “faria bem em explicar” a sua atuação. Também sustenta que esta nunca poderia ser acusada de encobrir Costa, devido ao segredo de justiça.
Ou seja: segundo a ex-diretora do DCIAP, se Lucília não tivesse escrito o parágrafo, estaria respaldada por três argumentos: “Ou ainda não havia indícios, ou havia poucos ou não interessava à investigação que se soubesse”, refere, frisando que violar o segredo de justiça é que é “proceder mal”.
O líder do SMMP compreende a existência do parágrafo naquele a que chama um “comunicado por antecipação”. Isto porque, quando a investigação fosse tornada pública, muitos iriam questionar “por que é que a procuradoria-geral não deu essa informação”, frisa.
Adão Carvalho defende que o cargo de procuradora exige“alguma reserva”: caso esta falasse, poderia “dar a ideia” de que, naquele inquérito, “há mais prova” para além da que possa eventualmente existir.