"Maio está na rua, a luta continua": milhares marcham por salários dignos e fim da precariedade
Milhares de trabalhadores saíram, esta quarta-feira, às ruas de Lisboa para assinalar o 1.º de Maio, reivindicando melhores condições laborais, salários e pensões dignas e o fim da precariedade, na tradicional manifestação promovida pela CGTP.
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No meio da multidão, que sobe a Almirante Reis, Fernando Adriano destaca-se. O operário de 56 anos veste um fato macaco e um capacete azuis. "Viva a classe operária, viva os trabalhadores", pode ler-se no cartaz que traz pendurado ao pescoço. A indumentária serve precisamente para homenagear "o povo que, há 50 anos, na sua grande maioria era operário", explica, ao JN.
Fernando diz ser de uma geração cuja situação laboral "é mais estável", mas não é por isso que deixa de sair todos os anos às ruas, quer no 25 de Abril quer no 1.º de Maio, em solidariedade com todos os que querem ter uma vida melhor. Preocupa-se, em especial, com a juventude, que vê a sua situação ser "cada vez pior", com "trabalhos precários e horários desregulados", sem conseguir encontrar casa a preços que consigam suportar. "A prioridade deve ser acabar com a precariedade. E dar tempo às famílias. Sou a favor de que se fechem os supermercados e os centros comerciais ao domingo", lançou.
Perto das 15.30 horas, quase uma hora depois do previsto, arrancou, da Praça do Martim Moniz, a tradicional marcha do Dia do Trabalhador pelas ruas lisboetas, com destino à Alameda Dom Afonso Henriques, onde a tarde terminará com intervenções de respresentantes sindicais, convívio e música. Para Tiago Oliveira, secretário-geral da CGTP, a adesão à marcha é o continuar da demonstração dos "valores de abril" que os “trabalhadores e o povo” trouxeram também para as ruas em comemoração do cinquentenário da revolução, na semana passada. “Vamos continuar essa luta, essa afirmação, por uma vida melhor, por uma vida em que tenhamos esperança relativamente ao futuro”, afirmou, em declarações aos jornalistas.
É esse o sentimento nas ruas. “Maio está na rua, a luta continua”, “35 horas para todos sem demoras” e “A luta continua nas empresas e na rua” são algumas das palavras de ordem gritadas pelos manifestantes, numa marcha ruidosa, ao som de tambores e músicas de intervenção. Sónia, de 48 anos, e o filho Afonso, de 16 anos, participam pela primeira vez na manifestação. O jovem, estudante numa escola secundária em Lisboa, quis deixar um "grito de ajuda" pela escola pública."Este ano já tive cinco professores substitutos e há pouco tempo o teto começou a cair. É preciso melhores condições e salários mais apelativos para termos mais professores no futuro".
É precisamente pela causa do filho que Sónia acabou por acompanhá-lo nas comemorações deste feriado nacional. "Se tiverem uma boa educação e bons professores, certamente serão melhores trabalhadores". A assistente social partilha ainda que, com o congelamento das carreiras, está há nove anos sem progredir. Por outro lado, preocupa-a antever que a falta de condições de trabalho para a geração dos filhos os empurre para fora do país. "Os meus outros dois filhos estão no mercado de trabalho e as condições são muito precárias. Não conseguem de maneira nenhuma habitação, nem sequer constituir uma relação de união de facto com as namoradas porque os vencimentos são muito baixos".
A perda na educação, mas também nos outros "pilares" como a habitação e a saúde, também trouxeram Ana Silva, de 44 anos, à sua primeira marcha do 1.º de Maio. "Tenho filhos e a escola pública está muito complicada. Sentimos que há cada vez mais dificuldades a tentar aceder a alguns direitos". Trabalhadora no ramo do e-commerce, diz que não se pode queixar da sua situação atual, mas até conseguir chegar à estabilidade que tem hoje viveu 20 anos de precariedade e recibos verdes. Estudou e trabalhou ao mesmo tempo. Passou em vários "call centers" e, ainda adolescente, trabalhou no campo. "É preciso valorizar o capital humano. Só assim podemos puxar pelos mais novos e o país pode avançar. De outra forma, vão-se embora", alerta.
Em Portugal, os trabalhadores estão mais envelhecidos, recebem salários baixos e têm vínculos precários. Este é o retrato do trabalhador português, no 5.º país da União Europeia com salário médio mais baixo e em que um em cada seis trabalhadores tem um contrato a prazo, de acordo com os dados da Portada. Tiago Oliveira sublinha que os valores demonstram que o país continua “com uma política de baixo salário” e “salários que penalizam cada vez mais quem trabalha”. Uma perspetiva que lamentou constar no programa do novo Governo da Aliança Democrática (AD).
Faz precisamente 50 anos da primeira manifestação popular do Dia do Trabalhador que se realizou livremente, em Portugal, desde o 25 de Abril. Passado meio século, embora as condições de vida tenham melhorado, o lema "Paz, pão e liberdade", que trouxe milhares às ruas de todo o país, parece manter-se bastante atual.
À hora prevista de arranque, continuavam a aparecer centenas de pessoas na praça no centro lisboeta. “É o cravo a 1€”, grita uma vendedora sentada à sombra, enquanto a concentração de pessoas ainda se formava. Entre a concentração de manifestantes, exemplares da última edição do jornal “A Voz do Operário” também são vendidas. Quando a música nas colunas da carrinha da CGTP começa a ecoar é sinal de que a marcha vai arrancar. Muitos dançam, com as bandeiras ao alto, ao som de Zeca Afonso. No final, foram milhares os que marcharam em Lisboa pela valorização de todos os trabalhadores.