Crise mais longa tinha sido com a demissão de Guterres em 2001 que durou três meses. Ministra desvaloriza gestão em duodécimos e diz haver mais margem.
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Quando o Orçamento do Estado (OE) para 2022 foi chumbado, levando à marcação de eleições antecipadas, esta crise já conquistou, na altura, o título de maior impasse político do século, pelos três meses que iriam passar até às legislativas, a 30 de janeiro. Os 95 dias que então nos separavam das eleições já são contas passadas porque a repetição da votação no círculo da Europa atira a tomada de posse do Governo para o fim de março (dois meses após as legislativas) e o OE para julho. A ministra da Presidência procurou ontem desvalorizar a gestão em duodécimos e passar a ideia de que o Governo tem maior margem política.
A crise política agora agravada pela repetição no círculo da Europa (voto presencial a 12 e 13 de março, via postal até 23 e resultados dia 25) deixa ainda mais distante o segundo impasse mais longo do séc. XXI: a demissão de António Guterres, na sequência da derrota autárquica de 2001, com uma crise de três meses.
"Não era desejada"
Desde o chumbo do OE no fim de outubro, passaram mais de três meses e meio. Com as eleições na Europa a adiarem a posse do Governo para final de março, a conta já vai em cinco meses. A ministra da Presidência foi instada sobre as consequências. Na conferência de imprensa sobre a covid-19, Mariana Vieira da Silva disse que o atual Governo tem agora maior margem política do que antes das eleições. Sobre o atraso no OE, prometeu "uma utilização do sistema de duodécimos, aproveitando plenamente as suas capacidades".
A ministra nota que adiar o apuramento dos resultados por causa do círculo da Europa "não era uma situação desejada por ninguém". Tal como "o próprio chumbo do OE, no momento em que aconteceu, também não o foi". Mas "cabe-nos aguardar e garantir que serão tomadas todas as medidas necessárias". E compete ao Governo "contribuir para que as decisões do Tribunal Constitucional e da Comissão Nacional de Eleições sejam cumpridas".
Desdramatizando o impasse, assegurou que o Governo cessante está preparado para trabalhar com o novo calendário. E considerou "evidente que, no período que antecede eleições, um Governo está politicamente mais limitado do que num período pós-eleitoral".
Descrédito para futuro
Além das decisões contra a seca, referiu o Plano de Recuperação e Resiliência e o PT 2030. E insistiu que parte das medidas do OE terá efeitos retroativos a 1 de janeiro, como o aumento extraordinário das pensões.
Entretanto, o JN questionou o historiador e politólogo Daniel Vieira sobre este impasse e a repetição da votação no círculo da Europa.
Em primeiro lugar, crê que "evidencia uma contradição entre os que defenderam a precipitação das eleições (defendendo que o país não aguentava os duodécimos) e que agora desdramatizam uma situação que se arrastará até meados do ano. Situações que têm servido para adiar medidas positivas para os reformados e os trabalhadores". Além disso, crê que se agrava o problema associado à "baixa participação dos eleitores emigrantes, criando um descrédito para o presente e o futuro".
A seu ver, urge "uma solução que vai para lá da atual situação criada com a epidemia e que passa pela criação de mais secções de voto, descentralizadas, privilegiando-se sempre o voto presencial". "Na verdade, o encerramento de serviços consulares tem agravado este problema, que poderia ser também ultrapassado com a colaboração do movimento associativo da diáspora", comentou ao JN.