Quem vive nas ruas do Porto confirma que houve poucos que receberam a proteção. Câmara conseguiu imunizar 48 pessoas. Situação idêntica em Lisboa, onde o fenómeno é mais grave.
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Sem-abrigo não vacinados contra a covid-19 dormem à porta do Teatro Nacional S. João, no Porto. Não tomam banho e fazem as necessidades no parque de camionagem das Camélias, onde todos os dias centenas de pessoas apanham o transporte público.
Na cidade, os números mais recentes indicam que há 590 sem-abrigo (nem todos vivem na rua). A Câmara do Porto, recordando que o processo de vacinação é da responsabilidade da Administração Regional de Saúde (ARS) do Norte, ainda conseguiu vacinar 48 pessoas que estavam no centro de acolhimento temporário Joaquim Urbano. Questionada pelo JN, a ARS remeteu a divulgação do número de vacinados para a Segurança Social, que por sua vez não respondeu ao nosso contacto. Em Lisboa, onde há quase 3800 sem-abrigo, também apenas uma pequena percentagem foi vacinada. Apesar dos contactos estabelecidos, não é fácil convencer muitas destas pessoas a vacinar-se.
"Estamos fartos desta situação. Ninguém nos dá apoio e somos constantemente insultados pela Polícia. De manhã, os funcionários da Câmara aparecem e lançam água nos locais onde estamos. Ninguém quer saber de nós, por isso nem me vacinei", diz João, de 64 anos, há ano e meio a dormir ao relento na Praça da Batalha. Retira o pente da mochila e penteia-se. Puxa os cobertores sobre os cartões e a cama fica feita para a noite seguinte.
Perigo para a saúde
Ali, na Rua de Mouzinho da Silveira (no chafariz), na Rua de Santa Catarina ou na Praça dos Poveiros, nenhuma das pessoas em situação de sem-abrigo se vacinou. Muitos dos que existiam antes da pandemia desapareceram. "Não sei se morreram, mas agora há mais gente na rua", conta João, outro sem-abrigo, mas este com teto para pernoitar por conseguir alugar um quarto. Recebe 170 euros de rendimento social de inserção (RSI). "Eu estou vacinado apenas com uma toma da Johnson, mas divido o quarto com mais seis pessoas e essas não sei se estão vacinadas", acrescenta.
"A grande maioria não foi vacinada. Aqui nesta zona, ninguém", refere o outro João, enquanto esfrega o tronco nu com uma toalhita, à frente de quem passa. "Acha que a Suzete, que dorme na porta principal do teatro, que não toma banho há uns quatro anos, foi vacinar-se?", pergunta.
Recorde-se que esta é uma população que para além de vulnerável a nível socioeconómico, também apresenta problemas de isolamento e, em muitos casos, dependências e doenças de risco associadas. Dada a dificuldade em contactar esta população, a DireçãoGeral de Saúde recomendou a vacina de dose única para os sem-abrigo.
Uma técnica da SAOM - Serviços de Assistência Organizações de Maria tentou convencer quem vive na rua, em condições insalubres e com risco para a saúde pública. Para além dos locais que servem de pernoita, outros são usados como casas de banho, de que é exemplo "um canto no interior do Parque das Camélias, um autêntico esgoto a céu aberto". E é um local onde centenas de passageiros embarcam e desembarcam em autocarros.
Câmara explica
A Câmara do Porto explica que no âmbito do plano de vacinação contra a covid-19 a ENIPSSA - Estratégia Nacional para a Integração das Pessoas em Situação de Sem-abrigo 2017-2023, solicitou a colaboração do NPISA Porto para a referenciação das pessoas em situação de sem-abrigo, a 16 de março de 2021. Foram referenciadas as pessoas que estavam em Centro de Acolhimento e as que estavam em situação de sem-teto (referenciados pelos seus técnicos gestores) e que aceitaram tomar a vacina. No Centro de Acolhimento Temporário Joaquim Urbano, resposta de alojamento sob a gestão municipal, foram vacinadas 48 pessoas em situação de sem abrigo que ali se encontravam.
Diz a Autarquia que o processo da vacinação foi da responsabilidade da Administração Regional de Saúde do Norte, entidade que detém os dados relativos ao número/percentagem total de pessoas vacinadas. Mas que não divulgou os dados dos sem-abrigo.
Saber mais
Pessoas sem teto e sem casa
A ENIPSSA - Estratégia Nacional para a Integração das Pessoas em Situação de Sem-Abrigo 2017-2023 considera uma pessoa sem-abrigo numa situação sem teto (vivendo no espaço público, alojada em abrigo de emergência ou com paradeiro em local precário) ou sem casa (encontrando-se em alojamento temporário destinado para o efeito).
Quarta posição relativa aos sem-teto
No que se refere ao número de pessoas em situação de sem-abrigo, sem teto, o Município do Porto assistiu a um aumento residual de cerca de 2% (de 188 para 192) e segundo os dados, a nível nacional, ocupa a 4.ª posição atrás de Lisboa, Beja e Ílhavo.
Dados
590 sem-abrigo no Porto
De 2019 para 2020 (deste ano ainda não há contabilização), os dados referentes à cidade do Porto demonstram que o fenómeno mantém-se estável e até registou um ligeiro decréscimo (desceu de 592 pessoas para 590).
7% do total nacional
Apesar de ser a segunda cidade com mais sem-abrigo, o Porto representa cerca de 7% do total nacional de pessoas que vivem na rua, segundo dados de 31 de dezembro de 2020. Lisboa lidera, destacada.