Crime rodoviário ainda é dominado pela condução sob o efeito do álcool ou sem carta. Muitos, porém, não chegam a tribunal ou são absolvidos.
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As 520 mortes na estrada deram lugar a 322 processos por homicídio por negligência, em 2019. Ou seja, em mais de metade dos desastre com mortes, o Ministério Público encontrou indícios de responsabilidade criminal. No global, o crime rodoviário baixou, mas continua a dominar o panorama: as forças de segurança anotaram 76 crimes rodoviários por dia.
Quando alguém morre num acidente de viação, as forças de segurança são chamadas para apurar o sucedido. Na área de intervenção da PSP, essa tarefa cabe ao Núcleo de Investigação Criminal de Acidentes de Viação, o NICAV. Sérgio Figueiredo, da sociedade de advogados Raposo, Sá Miranda & Associados, explicou ao JN que a morte é sempre comunicada ao Ministério Público, não só para que ordene uma autópsia, mas também porque instaura sempre um inquérito para saber se houve responsabilidade criminal.
Findo o inquérito, o Ministério Público conclui se há indícios suficientes da prática de um crime, para dar seguimento ao caso . "Todas as mortes em contexto de acidente de viação dão origem a um inquérito criminal, mas nem todas darão origem a uma acusação e, ainda menos, a uma eventual condenação", disse Sérgio Figueiredo.
O Relatório Anual de Segurança Interna ou da Direção-Geral da Política de Justiça não indicam quantos acabaram numa condenação. Mostram apenas que o número de processos por homicídio por negligência tem descido nas últimas décadas. Este crime é punido com prisão (até três anos) ou multa; em caso de negligência grosseira, a pena pode ir até aos cinco anos de prisão. Como pena acessória, pode ainda haver proibição de conduzir, entre três meses e três anos.
Crime sem punição?
O crime rodoviário mais comum ainda é a condução com mais do que 1,2 gramas de álcool por litro de sangue. É certo que o número baixou - foram abertos menos 1417 inquéritos - mas, ainda assim, foram apanhados 46 condutores bêbados por dia.
A maioria dos acusados, todavia, não chega a julgamento. Em 2018, de acordo com a Procuradoria-Geral da República, quase metade dos condutores alcoolizados beneficiaram da suspensão provisória e, desses, 44% viram o processo arquivado por terem cumprido a injunção (penalização) a que estavam obrigados e não foram reincidentes, durante a suspensão.
O segundo crime mais comum é conduzir sem carta. Na última década, tendeu a diminuir, mas em 2016 começou a subir e, em 2019, quase dez mil foram apanhados sem habilitação legal. Mais de metade foram condenados em primeira instância, mas muitos não foram punidos.
A atitude da justiça para com o crime rodoviário é "uma paródia", diz Manuel João Ramos, da Associação de Cidadãos Auto-Mobilizados. "O Ministério Público está vocacionado para culpabilizar, mas o juiz por norma desculpabiliza." Entende, por isso, que o sistema judiciário devia chegar a acordo sobre jurisprudência.
Mas não chega olhar só para o condutor. Muitas estradas são mal concebidas e potenciam, elas próprias, a sinistralidade. "O Ministério Público devia fiscalizar também o estado das vias", diz.