As placas giratórias cresceram com problemas insanáveis, devido a projetos que privilegiaram tudo menos a segurança e as soluções de fluidez do trânsito, sobretudo nas maiores cidades. Mas, quando bem planeadas, continuam a ser um sistema prático e eficaz (e barato) que não deve ser abandonado, garantem os especialistas.
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Nasceram como cogumelos em meios urbanos e menos populosos. Durante mais de 20 anos, as rotundas foram acrescentadas à paisagem de norte a sul de Portugal. E ficaram quase como imagem de marca de um país onde o automóvel se tornou símbolo e força principal de mobilidade.
"Houve uma fase em que qualquer cruzamento era transformado em rotunda, um exagero. Essa febre felizmente já passou, até porque não houve capacidade de resposta do ponto de vista de fiscalização técnica para tantas", diz ao JN Urbano Nunes da Silva, professor catedrático de Engenharia Civil do Instituto Superior Técnico, em Lisboa e ex-vereador com os pelouros da Mobilidade e Transportes na Câmara da capital.
O número de rotundas existentes em Portugal não está oficialmente contabilizado. "Ninguém sabe ao certo. Já foram tentados vários levantamentos, nomeadamente junto das autarquias, mas nunca foi reunido o número global. Mas são seguramente mais de 3000, o que é um valor bastante elevado", calcula Ana Bastos da Silva, docente de Engenharia Civil na Universidade de Coimbra, especialista em matérias de urbanismo e autora de vários estudos e projetos de investigação sobre rotundas. É dela o único manual técnico alguma vez elaborado em Portugal sobre estas estruturas rodoviárias, com mais de uma década e que serve como guia orientador para técnicos e não só. "Infelizmente ainda tem apenas um poder recomendativo, pois nunca foi aprovado na Assembleia da República", lamenta a agora também vereadora da Câmara de Coimbra, eleita nas autárquicas de setembro último.
Os maus exemplos estão espalhados país fora. Desde rotundas instaladas onde não fazem falta a outras que permitem o seu atravessamento a grandes velocidade
"O grande problema é que durante muitos anos não existiu qualquer guia para a construção de rotundas, daí que os técnicos inventaram o que quiseram e como quiseram. Falhou-se imenso. Há muitas em sítios errados e outras que faltam onde seriam necessárias", rebobina Ana Bastos da Silva. "Os maus exemplos estão espalhados país fora. Desde rotundas instaladas onde não fazem falta a outras que permitem o seu atravessamento a grandes velocidades sem que o automobilista seja obrigado a curvar", descreve.
Outro dos erros recorrentes foi autorizar rotundas com elementos de ruído visual que, tendo a boa intenção de as tentar embelezar, tiveram efeito perverso no que diz respeito à segurança dos condutores que as atravessam. "Serviram para colocar estátuas e afins, o que, aliás, é interdito em vários países da Europa", lembra Nunes da Silva. "Monumentos, árvores ou até fontes cortam visibilidade. Se um veículo lá embater pode ter consequências graves para o condutor em termos de danos físicos", aponta, por sua vez, Ana Bastos Silva.
Pese embora tamanhos erros gerais de conceção e planeamento, as rotundas parecem continuar a ser escolha (quase) perfeita para resolver problemas de trânsito nas grandes cidades. "São uma solução de gestão de interceções menos onerosa que os semáforos, outra das possibilidades viáveis. Escoam trânsito com mais facilidade e fluidez, sem dúvida", assinala José Pedro Tavares, docente e investigador da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto com trabalhos dedicados à área da modelação de sistemas de transporte e gestão e controlo de tráfego.
Construção simples e manutenção barata
Nunes da Silva assina por baixo e destaca que as rotundas "permitem todos os movimentos possíveis." Quer isto dizer que "respondem de forma imediata" à própria procura e libertam movimentos de circulação que, de outra forma, comprometeriam a mobilidade. "Além do mais, são baratas e ocupam pouco espaço. Se forem bem desenhadas e as respetivas entradas tiverem equilíbrio, funcionam bem, sem dúvida", garante.
Ana Bastos da Silva vai mais longe: "Além de os custos infraestruturais serem comparativamente reduzidos em relação aos semáforos, não carecem de manutenção permanente, basta mantê-las limpas e bem conservadas para que consigam a eficácia na sua tarefa principal, que é a de se constituírem como um fator de acalmia de tráfego".
A professora da Universidade de Coimbra aponta que as rotundas devem ser promovidas, até porque contribuem para a limitação de acidentes em ambiente urbano. "Está comprovado que reduzem a sinistralidade entre 60 e 70% e o número de mortos em acidentes em 90%", sublinha.
Cidades houve em que a instalação de uma rede de rotundas, nomeadamente nas vias circundantes de acesso ao centro, veio resolver problemas antigos de escoamento de tráfego. "É o caso de Évora, Viseu ou Coimbra, onde as circulares externas convidam os condutores a seguirem pelo exterior, o que desimpede o espaço central", aponta Ana Bastos da Silva.
Bons exemplos em Lisboa e Porto
Ou de dois casos emblemáticos, em Lisboa e no Porto, os das rotundas do Marquês de Pombal e da Praça de Mouzinho de Albuquerque (Boavista), respetivamente. "A do Marquês, muito contestada no início, resolveu os bastantes problemas de fluidez dantes lá existentes", diz Fernando Nunes da Silva. "A da Boavista, face à sua dimensão e a um conjunto de cruzamentos semaforizados, foi a única solução possível para aquele local, em que oito vias confluem num só ponto", frisa, por seu lado, José Pedro Tavares.
Certo é que são vários os exemplos internacionais onde as rotundas foram alternativa ideal para cidades com problemas graves de trânsito. Em Carmel, no estado norte-americano de Indiana, com quase 100 mil habitantes, foi criada uma rede com 138 rotundas que minimizou estrangulamentos de circulação e permitiu, até, alterar a qualidade do ar. E em Swindon, Inglaterra, foi criada uma estrutura inovadora com várias minirrotundas no interior de uma só rotunda que veio revolucionar este tipo de solução