O futuro das cidades e as sinergias para aproveitar tecnologias e fomentar parcerias que acelerem a transição e criem uma estratégia coesa de sucesso são as pistas para um encontro, que vai decorrer durante o mês de junho, em Madrid, com o objetivo de puxar pelo potencial de Portugal e Espanha.
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Como alcançar a mobilidade sustentável de futuro de que tanto se fala, a tal que privilegia veículos movidos a energias ditas amigas do ambiente (sejam autónomos ou não), que inibe as viaturas individuais nos centros das cidades e apela ao uso do transporte coletivo, que quer dar espaço aos meios ativos/suaves (andar a pé, de bicicleta, trotineta), em que a intermodalidade é fundamental, a mobilidade é encarada como um serviço e em que a soma disto tudo e muito mais consiga dar o tão esperado contributo para descarbonizar as cidades?
As peças do puzzle são muitas e não podem ser vistas de forma isolada. E é preciso perceber como se cria uma estratégia coesa em vez de se implementarem medidas avulso, um problema para o qual Paula Teles, coordenadora da Rede de Cidades e Vilas com Mobilidade para Todos, alerta.
Web Summit da mobilidade sustetável
"Atualmente existe uma falta de liderança na mobilidade sustentável na Europa, que não é um setor isolado nem uma indústria em si mesma", admitiu, há dias, Eduardo López-Puertas, diretor da instituição de feiras IFEMA Madrid, durante uma conferência em Lisboa que serviu para lançar o Global Mobility Call, que decorrerá na capital espanhola de 14 a 16 de junho. Será uma espécie de "Web Summit" da mobilidade sustentável, que juntará empresas, decisores e investigadores, um palco para criar pontes, trocar ideias e fomentar negócios que aumentem a "coesão e consenso" em relação ao que é preciso fazer.
Porque esta mobilidade, insistiu López-Puertas, é a "coluna vertebral de muitos setores" e temos hoje a oportunidade de "lançar as bases para um novo ecossistema", central para a sociedade atual. Este é o momento, até porque existem fundos que podem ser aproveitados no pacote europeu Next Generation, que ascendem aos 750 mil milhões de euros. "É uma enorme oportunidade de negócio do qual as empresas portuguesas devem fazer parte", acrescentou López-Puertas.
"Já há muitos assuntos bilaterais a serem falados", assegurou Juan Francisco Montalban, conselheiro da embaixada espanhola em Portugal, sublinhando que a Península Ibérica tem "ótimas condições" para "impulsionar esta nova economia, que vai ser muito importante no relançamento dos dois países" pós-pandemia.
Essencial para a economia
Na conferência, Miguel Eiras Antunes, da consultora Deloitte, elencou as principais tendências a que devemos estar atentos: a eletrificação dos carros, a partilha, a intermodalidade, a mobilidade corporativa (em vez das empresas fornecerem um carro, atribuem um passe para andar em vários meios), a mobilidade inteligente (veículos com câmaras para transportarem crianças e idosos, deixando os familiares tranquilos), transporte coletivo e mobilidade de bens. Ainda estamos longe da mobilidade como serviço, disse, explicando que é uma "tendência de futuro", mas que "exige grande interação entre diferentes parceiros, tecnologias e alinhar um ecossistema".
O setor dos transportes "é responsável por cerca de um quarto das emissões com efeito de estufa, nomeadamente dióxido de carbono" e a mobilidade "está diretamente relacionada com a competitividade e a criação de riqueza da economia", destacou António Pires de Lima, da Brisa, para justificar porque não podemos ficar alheios a estas questões. Para incentivar o uso de veículos elétricos, as autoestradas que gere instalaram carregadores, para que ninguém fique a meio da viagem.
O digital é fundamental para esta transição, ao tirar partido de dados e automatizar muitas tarefas, assegura Sofia Tenreiro, investigadora e ex-administradora da Galp. É urgente "acelerar infraestruturas, desburocratizar licenciamentos, simplificar cadeiras de abastecimento" que impedem algumas empresas de investir.
Um contributo importante virá da gestão dos dados e, aqui, tecnologia como o 5G é essencial, realça João Ricardo Moreira, administrador da NOS.
A velocidade a que se dará a mudança é difícil de perspetivar. Por um lado, diz Tenreiro, "para conseguirmos reduzir 1,5 graus em 2035, era necessário que 95% das frotas de carros e camiões fossem neutros em carbono". Por outro, aponta Carlos Barbosa, presidente do Automóvel Clube de Portugal (ACP), "o parque automóvel em Portugal tem em média 13 anos". E cita um estudo segundo o qual "em 2040 apenas 27% dos carros no Mundo serão totalmente elétricos". Para ele, a solução passará pelos híbridos.
Em Lisboa, desde que puseram motas nos corredores BUS, a velocidade da Carris baixou de 15 para 6 quilómetros hora
Carlos Barbosa não tem dúvidas que há muitas coisas a melhorar e é preciso articular ações. E exemplifica, referindo que o ACP colaborou com a Universidade de Lisboa para analisar as ciclovias e os constrangimentos. "Desde que puseram motas nos corredores BUS, a velocidade da Carris baixou de 15 para 6 quilómetros hora", revela.
Portugal tem dado passos importantes. O Centro de Engenharia e Desenvolvimento CEiiA, em Matosinhos, por exemplo, foi um dos 20 distinguidos do Bauhaus Europeu com a AYR, uma plataforma que permite saber quantas emissões de CO2 evitam com determinados comportamentos. É uma forma de as pessoas perceberem o impacto das suas ações.
Outro exemplo pode ser encontrado na Universidade de Coimbra. João Coutinho, docente daquela academia e investigador, contou ao JN Urbano que simularam modelos que mostram como "tudo mudaria em termos de mobilidade, consumo energético e emissões de gases poluentes" se a cidade fosse diferente (mais compacta ou uma cidade-jardim, com supermercados, equipamentos de saúde e de desporto noutras localizações). São contributos a ter em conta quando se planeia uma estratégia de fundo, que junte o conhecimento de vários quadrantes.