Quase 33 mil passageiros entraram em Portugal sem o obrigatório despiste à covid-19.
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Pelo menos 32 718 passageiros viajaram de avião para Portugal, entre 2020 e meados de junho deste ano, sem apresentarem um teste de diagnóstico à covid-19 realizado 72 horas antes do embarque, dando origem a 510 processos de contraordenação a 39 companhias aéreas, apurou o "Jornal de Notícias" junto da Autoridade Nacional de Aviação Civil (ANAC). Teoricamente, a soma das multas vale entre 16,3 milhões e 65,4 milhões de euros.
Em 2020, foram 26 680 os passageiros a embarcar sem teste, tendo sido abertos pela ANAC 257 processos. Até 22 de junho passado, em 2021 foram detetadas 6068 pessoas em situação irregular e abertos 243 processos, embora alguns digam respeito ainda ao ano anterior, sobretudo ao mês de dezembro.
Ainda não há nenhuma condenação que poderá traduzir-se em coimas de 500 a dois mil euros por passageiro, ou seja, a um total de 16 359 mil euros pelos mínimos e 65 436 mil pelos máximos. Alguns processos poderão ser arquivados, admite a ANAC.
Pessoal de voo exige testes
O presidente do Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil (SNPVAC), Henrique Louro Martins, encara com preocupação o volume de passageiros transportados sem teste, salientando ao JN que confirma a justeza das exigências da organização, no sentido de que os tripulantes de cabina fossem profissionais prioritários para a vacinação e para a sujeição a testagem sistemática antes de qualquer voo para o estrangeiro. "Escrevemos várias vezes à Direção-Geral da Saúde, nunca tivemos resposta", afirma, salientando o risco diário que os cerca de 3500 tripulantes de cabina correm. "Nos transportes em geral, a lotação foi limitada, na aviação civil, não", recorda, notando que estes profissionais trabalham muito próximo dos passageiros.
Por outro lado, em menos de uma semana, uma equipa pode deslocar-se - e pernoitar - a vários países com elevados níveis de contágio, como os Estados Unidos, o Brasil e o Reino Unido.
"Não se compreende. É um risco para os próprios e para os outros, incluindo os passageiros", insiste o dirigente sindical, relatando ter conhecimento de alguns casos de infeção entre profissionais de voo. "Felizmente, até ao momento não há casos de gravidade extrema", mas sempre que ocorre uma situação implica a quarentena de toda a equipa.
O SNPVAC defende que, mesmo que já tenham sido vacinados, os tripulantes de cabina devem ser submetidos a testes sempre que as escalas obriguem à estadia noutro país e não apenas para os destinos que o exijam - é o caso, neste momento, da Alemanha e Inglaterra, por exemplo. "Partem infetados sem o saberem e, por vezes, são obrigados a permanecer isolados no hotel", nota Henrique Louro.
Representando especialmente o pessoal de terra, o presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Aviação Civil e Aeronáutica (SITAVA), José Sousa, põe o acento na "exigência do rigoroso cumprimento das regras e que as empresas disponibilizem equipamentos de proteção individual".
Contexto
Globalização, alterações climáticas e vírus
"Esta pandemia realçou as consequências da globalização do Mundo, com cada vez mais gente a viajar e, quando viaja, mais facilmente transporta doenças", comenta ao JN o pneumologista Filipe Froes. Por isso, "devemos obrigar-nos a medidas que conciliem a segurança com a proteção da privacidade das pessoas", diz. Com a globalização, as alterações climáticas e a destruição dos habitats, a Humanidade enfrenta mais doenças emergentes ou re-emergentes, devido à passagem de vírus de animais para o homem. O SARS-Cov-2 é um exemplo. Há mais: o vírus do ébola, o zica, a febre hemorrágica de Marburg, o HIVsida.
O que diz a lei
Valor da coima
Segundo o artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 28-B/2020, de 26 de junho (texto consolidado), as companhias aéreas podem ser sancionadas com coima de 500 a dois mil euros por cada passageiro que embarque sem apresentação de comprovativo de realização de teste laboratorial para despiste da doença covid-19 com resultado negativo, realizado nas 72 horas anteriores ao momento do embarque.