Acidentes não baixaram durante a pandemia, com feridos graves a aumentarem. Crescente uso de velocípedes requer mudança nas leis, defendem as associações.
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Mais de 10 mil acidentes com vítimas envolvendo velocípedes (10 002) é o número que traça o cenário do uso de bicicleta em Portugal, desde 2016 até meados de 2021. De acordo com dados da Autoridade Nacional da Segurança Rodoviária (ANSR), não houve um abrandamento dos sinistros nos tempos de confinamento. No ano passado, foram mesmo registados mais acidentes (1781) do que em 2018 (1760) e o número de feridos graves aumentou face a 2019 (mais oito). A par dos casos mediáticos de acidentes mortais, o tema ganhou novo fôlego junto dos utilizadores de bicicletas e das respetivas associações, que exigem mais medidas de proteção e segurança nas estradas, até pelo facto de mais pessoas estarem a usar este meio para evitar os transportes públicos nas cidades.
Cautela é a palavra de ordem para Mário Alves, da direção da Associação pela Mobilidade Urbana em Bicicleta (Mubi), que realça ser prematuro avançar com conclusões definitivas. Se "o número absoluto de incidentes está a aumentar, o risco pode estar a diminuir", aponta. Para o utilizador de bicicleta, é determinante saber se a quantidade de quilómetros percorridos acompanha o número de sinistros, mas não a gravidade dos mesmos.
De 2019 para 2020, o número de feridos graves aumentou de 97 para 105, de acordo com a ANSR. Por seu lado, a Guarda Nacional Republicana (GNR) registou mais nove pessoas a necessitar de cuidados urgentes. Quanto às vítimas mortais, as autoridades relatam uma descida, com a Segurança Rodoviária a contabilizar 18 ciclistas mortos em 2020. Há dois anos, houve 27 mortes.
30 km/hora nas cidades
Mais velocípedes a circular tornam urgente a mudança na legislação, dizem as associações. A morte de duas mulheres, em Lisboa, veio agitar as águas: uma atleta de 16 anos foi atropelada na passadeira, com a bicicleta pela mão, em 2020; e uma investigadora italiana de 37 anos, grávida, não resistiu aos ferimentos após a colisão com um automóvel, em junho deste ano. Até 30 de junho, a GNR dá conta de quatro mortos, 45 feridos graves e 624 feridos leves em Portugal. O último relatório da ANSR, até maio de 2021, realça um "aumento de 36,9% nos velocípedes intervenientes" em acidentes.
Para José Manuel Caetano, presidente da Federação Portuguesa de Cicloturismo e Utilizadores de Bicicleta (FPCUB), "a guerra civil está instalada para os peões e os que andam de bicicleta". No seu entender, a redução do limite de velocidade dentro das cidades para 30 km/h e o cumprimento da distância lateral de 1,5 metros do carro face ao velocípede resolveriam muitos problemas.
O ministro Eduardo Cabrita admitiu em 2018 generalizar os 30 km/h nas cidades. Em resposta enviada ao JN, a tutela afirma que vários municípios cumprem o requisito, estando o alargamento dependente "da avaliação que pelos mesmos seja feita de cada situação". Em nove distritos, houve mais utentes de velocípedes a serem vítimas de acidentes, em 2020: Braga passou de 119, em 2019, para 163 vítimas.
"Seria lamentável as pessoas deixarem de adotar a bicicleta" por medo, diz Mário Alves. O próximo passo, defende, passa por consolidar a Estratégia Nacional para a Mobilidade Ciclável (EMNAC).
Mulheres querem trazer empatia para as estradas
Catarina Cabral e Sheyla Ventura, de 34 anos, conheceram-se pela rede social Twitter e combinaram umas "pedaladas" pela cidade das sete colinas. O gosto pelos passeios de bicicleta, com companhia, levou-as até Pinar Pinzuti, criadora do "Fancy Women Bike Ride", com origem na Turquia. O evento consiste num percurso de velocípede para mulheres, em que estas se aperaltam para percorrer alguns quilómetros. O objetivo é promover o uso do veículo de mobilidade sustentável. O "Lisboa Fancy Women Bike Ride" está marcado para 19 de setembro e o percurso não está ainda totalmente fechado. Também o Porto terá uma edição. Para as duas mulheres, "a empatia pode salvar vidas". E isso passa também pelas estradas. Cada um deve saber colocar-se no "lugar do outro".