Maternidade depois dos 40 anos duplicou entre 2011 e 2018, muito por causa da precariedade laboral.
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Dos 87 020 bebés que nasceram em Portugal em 2018, 48 600 foram filhos de mães solteiras, ou seja, mais de metade dos bebés nascem fora do casamento. O fenómeno é explicado pelas mudanças na sociedade, com o aumento das uniões de facto. Ao mesmo tempo, o número de famílias monoparentais está a crescer e quase 90% são de mulheres a viver sozinhas com os filhos. Hoje celebra-se o Dia Internacional da Mulher.
Nos últimos 20 anos, o número de bebés tem vindo a cair a pique; em contrapartida, são cada vez mais os que nascem de mães solteiras. Desde 2015 que são a maioria. Só em 2018 foram quase 50 mil. Segundo Anália Torres, presidente do Centro Interdisciplinar de Estudos de Género do ISCSP da Universidade de Lisboa, o fenómeno é fácil de explicar: "O casamento deixou de ser uma instituição pela qual obrigatoriamente tem de se passar. É uma geração de pessoas que nasceram depois do 25 de Abril e que viveram toda a vida num contexto de liberdade".
Paralelamente, há mais mulheres a escolherem ser mães sozinhas, com recurso a técnicas de procriação medicamente assistida. "Decidem fazê-lo porque não encontraram parceiro e querem ter um filho. Mas tomam esta decisão de forma muito consciente. Não se atiram para isto sem terem rede familiar, de amigos ou condições financeiras". São uma gota num oceano de quase 400 mil famílias monoparentais femininas em Portugal. Em dez anos, o número disparou. Hoje há mais 60 mil famílias monoparentais e quase 90% são mulheres a viver sozinhas com os filhos, revela o INE.
"Isto pode explicar-se com o aumento expressivo do divórcio e separações conjugais. Quando o casal se separa, a probabilidade alta é que seja a mãe a ficar com os filhos", refere a socióloga.
O que também está a mudar é a idade da maternidade. Desde 2011, duplicaram as mulheres que são mães pela primeira vez depois dos 40: em 2018, foram mais de duas mil, em 2011 eram cerca de mil. "Tem a ver sobretudo com a precariedade no trabalho, que é um terrível obstáculo", diz Anália Torres. "Hoje estuda-se até mais tarde e depois procura-se um trabalho compatível com as habilitações. E isso é muito difícil. A pessoa vai adiando até ter uma situação estável".
Nada foi fácil mas eu sou forte e sabia que era capaz
"Desde o minuto zero que tenho gerido esta aventura de ser mãe sem qualquer tipo de muletas". Margarida Portugal, 46 anos, advogada, é mãe de Maria Inês, de quase quatro anos. Margarida vive em Famalicão com a filha e sabe que é uma família "atípica" e que "muita gente não entende" a sua opção de vida.
A advogada (que trabalha, sobretudo, em questões de Direito de Família) sabia que tinha problemas de saúde que e, teoricamente, não poderia engravidar. Contra todas as previsões, aos 42 anos engravidou e, aos três meses, soube logo que ia ter uma menina.
"Nada disto foi fácil mas eu sou forte e sabia que iria ser capaz de continuar a trabalhar, de manter a gravidez e de criar a minha filha", recorda. O nome da menina foi escolhido precocemente: "Inês, em homenagem à história de amor de D. Pedro e Inês de Castro e Maria porque todas as mulheres da família têm Maria no nome".
O pai da menina vive na mesma rua que a filha e, apesar de existir uma "excelente relação" entre pai e filha, Inês e Margarida vivem sozinhas. "Eu vivo com a Inês e ela vive comigo. Conversamos sobre tudo porque somos a companhia uma da outra", frisa a mãe. Maria Inês, com a sabedoria dos seus 4 anos, não deixa dúvidas: "A mamã é adulta por fora e criança por dentro e eu sou criança por fora e adulta por dentro".
Quando a bebé nasceu, a avó materna ficou de baixa médica para apoio a familiar e cuidou da neta enquanto Margarida percorria os tribunais de norte a sul do país. Olhando para trás, Margarida reconhece que "foram tempos difíceis, mas compensadores".
"Tive sempre muito apoio das amigos e colegas e nunca senti nenhum tipo de discriminação ou ouvi algum comentário menos simpático", refere. Mas Margarida sabe que é uma "privilegiada".
"Tenho a certeza de que uma mulher que não tivesse a minha força, que não tivesse uma carreira, uma forma de se sustentar, seria apontada pelas pessoas como sendo isto e aquilo e que não seria respeitada como eu fui". E não tem dúvidas em afirmar que vivemos numa sociedade "tremendamente machista e preconceituosa". "Somos muito o que fizeram de nós e temos de ser nós, as mães, a educar rapazes e raparigas da mesma forma com os mesmos valores, direitos e deveres", finalizou.
Reportagem Emília Monteiro