Com a epidemia descontrolada, mortes a mais e os hospitais a ultrapassarem todos os limites, são cada vez mais os defensores da testagem massiva da população, com testes rápidos, para detetar e isolar de imediato os positivos. Há uma petição a correr com mais de quatro mil assinaturas e municípios que estão a avançar sozinhos.
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"Os testes rápidos são a solução para contornar a escassez das vacinas para a covid-19 e reduzir drasticamente a transmissão até à primavera", defendem os signatários da petição, que conta com o apoio de especialistas como o médico de Saúde Pública Bernando Gomes, o intensivista Gustavo Carona e o radiologista Ricardo Campos Costa.
Além da petição, o grupo enviou uma carta aberta ao presidente da República, ao primeiro-ministro e Governo. A carta foi reencaminhada para o gabinete da ministra da Saúde, mas não obteve resposta.
Numa altura em que há milhares de inquéritos epidemiológicos atrasados, a mensagem dos signatários é clara: para ganhar a corrida ao vírus é necessário aumentar exponencialmente o número de testes e fazê-los de forma sistemática, uma vez por semana, para encontrar os doentes sem sintomas e isolá-los. E continuar sem parar até que o número de novos casos desça para níveis "bastante baixos".
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Para conseguir esmagar rapidamente a curva, seria necessário usar a rede de laboratórios e centros de testagem existentes, mas eventualmente envolver as mais de 2500 farmácias do país, de forma a "fazer mais de um milhão de testes por semana, podendo chegar a dois milhões", o que significaria aumentar os mais de 60 mil testes diários que se fazem atualmente para os 250 mil.
Razões para usar os testes rápidos
E porquê usar testes rápidos e não os chamados PCR, a metodologia mais usada pelas autoridades de saúde?
Os testes de antigénio "são mais fáceis de administrar, são rápidos (resultados em 15 minutos) e são relativamente baratos", defendem.
A crítica que se faz habitualmente a estes testes é a sua baixa sensibilidade para doentes com poucos sintomas ou assintomáticos, o que resulta num elevado número de falsos negativos.
Porém, rebatem os autores da petição, esse risco pode ser minimizado com a testagem semanal. Ou seja, mesmo que um infetado escape num teste, será detetado na semana seguinte quando a carga viral for superior e o risco de contágio maior.
A petição cita Michael Mina, professor de Epidemiologia em Harvard (Estados Unidos) e um dos maiores defensores da testagem rápida massificada. Num artigo publicado no início do ano na revista internacional "Science Advances", o especialista conclui que "é muito mais importante a frequência e a rapidez de resposta de um teste do que a sua sensibilidade".
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Teste negativo obrigatório para poder circular
Pedro Araújo, engenheiro do Porto e o principal impulsionador da iniciativa, explicou, ao JN, que esta estratégia pode ser dividida em dois momentos: primeiro, aproveitar o período de confinamento e começar por testar todos os que não estão confinados; segundo, estender o plano às restantes pessoas em circulação, em concelhos acima de um risco/prevalência a definir.
Nestes concelhos, que atualmente são a esmagadora maioria, o teste negativo seria obrigatório para circular, tal como hoje já é necessário ter uma autorização da entidade empregadora.
O objetivo da petição é convencer os especialistas que aconselham o Governo a recomendar esta estratégia para Portugal sair da difícil situação em que se encontra o mais rapidamente possível, referiu. "Somos um grupo de pessoas preocupadas" que se juntaram por uma causa e um plano "que acreditamos poder ajudar a mudar o rumo dos acontecimentos".
O responsável nota que o Governo já percebeu a importância destes testes rápidos e exemplo disso é a campanha de rastreios que arrancou na semana passada nas escolas, seguindo o exemplo de Inglaterra.
A Dinamarca é outro exemplo. Em dezembro teve uma subida significativa dos novos casos, mas conseguiu controlar a curva com um grande aumento da testagem. Também a Eslováquia teve um projeto de testagem massiva, mas o esforço inicial não teve a devida continuidade e perdeu efeito, relata.
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Sernancelhe apanhou 160 positivos numa só testagem
Por outro lado, já há exemplos em Portugal com resultados. Há autarcas que adotaram a estratégia, como é o caso Sernancelhe. Ao JN, o presidente da Câmara, adiantou que a "radiografia" ao município, feita no início deste mês, permitiu detetar e isolar mais de 160 casos positivos num total de cerca de 3500 testes rápidos realizados por médicos e enfermeiros nas sedes das juntas de freguesia.
Além daqueles infetados, todos os contactos de risco estão em isolamento profilático, em resultado de um esforço desenvolvido por uma equipa com uma dúzia de elementos sob coordenação da Proteção Civil. "Espero que daqui a 15 dias, o concelho esteja numa situação bem melhor", afirmou Carlos Santiago.
"Numa só penada, Sernancelhe apanhou 2,5 vezes mais infetados, certamente assintomáticos ou com poucos sintomas em período de contágio, que andavam a propagar a doença sem saber", resume Pedro Araújo.
À volta de Sernancelhe, Penedono e S. João da Pesqueira, também com níveis de risco muito elevados, já avançaram com modelos semelhantes, adiantou Carlos Santiago. Em Aguiar da Beira, município com uma das taxas de incidência mais elevadas (6255 casos por 100 mil habitantes em 14 dias) segundo os últimos números da Direção-Geral da Saúde, está prevista a testagem em algumas freguesias.
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Pedro Araújo alerta: não podemos ficar por alguns exemplos aqui e ali, é preciso testagem massiva, envolvendo os autarcas mas num projeto único, gerido superiormente. "Temos de jogar as cartas todas e ter coragem para avançar com algo muito diferente", conclui.