Todas as câmaras deviam ter a estratégia municipal de prevenção e combate aos fogos concluída em março. Há municípios com oito anos de atraso. O Governo aponta o dedo ao ICNF.
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Há 102 câmaras que não contam com um plano municipal de defesa da floresta contra incêndios (PMDFCI) atualizado, apesar de incorrerem na perda de parte da subvenção anual do Estado por incumprimento dessa obrigação. São quase 40% de 275 municípios do continente que já levam vários anos com uma estratégia obsoleta de prevenção e combate aos fogos rurais. Pampilhosa da Serra, onde arderam 200 hectares no último fim de semana, está há um ano para corrigir a situação.
O Orçamento do Estado (OE) para 2020 estabeleceu que todos os PMDFCI deveriam estar aprovados e atualizados até 31 de março deste ano. Em caso de incumprimento, em abril, teriam de ser retidos 20 % do duodécimo das transferências do Fundo de Equilíbrio Financeiro (FEF).
Porém, com o país na fase mais grave de risco de incêndios desde o dia 1 de julho, 102 municípios estão sem planos atualizados, parte deles com quase oito anos de atraso. São os casos de Espinho e Paços de Ferreira, que ainda contam com planos de primeira geração, quando grande parte dos 275 já vai na terceira.
Portalegre e Guarda lideram
Segundo os dados disponíveis no site do ICNF, atualizados mensalmente, é nos distritos de Portalegre (com 13 municípios) e Guarda (11), seguidos de Aveiro e Viseu (ambos com 10), que há mais planos municipais desatualizados.
Dez destes 102 municípios ainda estão na primeira geração de planos, estabelecidos pela lei de 2006. Piores situações: Vendas Novas, desatualizado desde março de 2012, e Espinho, desde outubro de 2013. De fora da contagem estão agora o Porto, São João da Madeira e Amadora, que passaram anos a contestar a obrigação de um PMDFCI, alegando não possuírem áreas florestais.
Só três autarquias foram até agora sancionadas ao ficarem provisoriamente sem parte das transferências do Ministério das Finanças. Em relação a outras 19, corre o prazo de contestação junto do Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF), que aprova os planos e tem de reportar ao Governo os casos de incumprimento para a aplicação de sanções.
O Ministério da Modernização do Estado frisou ao JN que "é ao ICNF que compete recolher e divulgar a informação sobre os planos não aprovados ou não renovados, para que a tutela das autarquias locais possa notificar os municípios". Questionado pelo baixo número de câmaras sancionadas, descartou responsabilidades e disse aguardar pela informação sobre esse universo "solicitada ao ICNF, através da sua tutela [Ministério do Ambiente]". Já o ICNF respondeu que "tem sempre respondido" à "solicitação de esclarecimentos e informações adicionais" do Governo.
Só três municípios com verbas retidas
Paços de Ferreira, Peniche e Odivelas são até agora os únicos municípios sancionados com a retenção de 20% do duodécimo do montante transferido todos os anos pelas Finanças por falta de um PMDFCI atualizado. As sanções foram aplicadas pelo ex-secretário de Estado da Proteção Civil, José Artur Neves, em 2019. Desde então não houve mais mão pesada.
Ao JN, o Ministério da Modernização do Estado e da Administração Pública adiantou que Peniche "comunicou entretanto a aprovação pela Assembleia Municipal do respetivo PMDFCI, tendo a Direção-Geral das Autarquias Locais procedido à libertação das verbas retidas". Apesar de os planos terem sido estabelecidos em junho de 2006, com a obrigatoriedade de as câmaras terem de os avaliar, atualizar e executar, só com a aprovação do Orçamento do Estado de 2019 é que uma norma passou a determinar o sancionamento dos municípios incumpridores.
Dados
Tribunal de Contas arrasador
A crítica foi demolidora: para o Tribunal de Contas um PMDFCI não protege a floresta. Num relatório de 2019, o TdC apontou que tem "reduzido valor acrescentado", só existe porque a lei o obriga e "não torna um município mais capacitado para defender a floresta".
ICNF também falha
Sobre os municípios e o ICNF, o TdC sinalizou que não cumprem os prazos de preparação e aprovação dos PMDFCI.
Três gerações
Em 2006, surgiu a primeira geração de PMDFCI. Em 2012, a atualização passou a ser obrigatória a cada cinco anos. Em 2018, o prazo passou para 10 anos.