Quase 8300 casais chegaram em 2019 à terceira criança e dez arriscaram ir ao nono filho. Mas mais de metade dos novos bebés foram primeiros filhos.
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Em Portugal, no ano passado, mais famílias decidiram ir ao terceiro, ao quarto e ao quinto filho. Segundo dados do INE, em 2019, quase 8300 famílias no país passaram a ser numerosas, ou seja, chegaram à terceira criança. E dez arriscaram no nono filho, um aumento de mais de 200% em relação a 2018. Mas num país de filhos únicos, o primeiro continua a ser claramente ganhador.
"É uma boa notícia, porque temos um problema de natalidade crónico", confessa Ana Cid Gonçalves, secretária-geral da Associação Portuguesa de Famílias Numerosas, que acredita que isto tem impacto na "sustentabilidade demográfica". E encontra uma explicação: "É mais fácil a uma família numerosa passar ao quarto e ao quinto filho do que a uma família que tem um passar para o segundo. Porque a organização familiar já se faz de outra forma".
Nestas famílias vive-se muito da entreajuda. "Há uma espécie de comunidade. As famílias numerosas trocam roupas entre si, dividem-se para levar filhos à escola. Os apoios públicos são inexistentes. As famílias saem verdadeiramente prejudicadas por terem mais filhos, têm que ser criativas".
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Ana não defende políticas natalistas, mas equidade e justiça. "Olha-se ao rendimento e não se tem em conta o número de pessoas que sustenta". A associação há muito que apela a medidas fiscais, como baixar o IRS e um abono de família universal, independentemente dos rendimentos, e flexibilizar o horário de trabalho.
Para alguns, ter muitos filhos não foi planeado, para outros é uma opção de vida. "Há a ideia de que as famílias numerosas são ricas, que é falsa, porque os rendimentos são divididos", diz. Mas as vantagens parecem muitas. "Os pais treinam competências de liderança e organização. Têm que gerir a casa de forma produtiva, rentabilizar tempo e recursos". E, para os filhos, crescer rodeados de irmãos também tem impacto.
Crise, o anticoncecional
"Numa família numerosa, toda a gente tem tarefas. Habituam-se a tomar conta dos irmãos, a limpar, a arrumar, a partilhar e a trabalhar em equipa", afirma.
Para Vanessa Cunha, coordenadora do Observatório das Famílias e das Políticas de Família, falta perceber "quem é que está a ter mais filhos". "Não faz parte do modelo cultural português. São populações recém-imigradas com outros padrões reprodutivos? São mulheres mais velhas que tinham adiado projetos familiares? São jovens?".
Para a investigadora do Centro de Administração e Políticas Públicas (CAPP), este é um aumento "episódico" e "residual". Mais de metade dos nascimentos em 2019 foram primeiros filhos. "O terceiro filho representa 10% e os seguintes apenas 3%. Temos tão poucos nascimentos por ano que o que se passa em minorias tem impacto, mas não é algo que mude substancialmente".
O país ainda está a apanhar os cacos da última crise. "A natalidade caiu brutalmente entre 2011 e 2014. Tivemos uma ligeira recuperação, mas ainda não estamos ao nível de 2011. Ter filhos, hoje, é dos comportamentos mais pensados. As famílias têm planos de grandes investimentos no bem estar deles", justifica a investigadora, que antecipa o impacto devastador da nova crise.
"Isto não é futurologia. O rendimento é um pilar absoluto na decisão e a incerteza é o anticoncecional mais poderoso". A investigadora diz que o ideal dos portugueses é ter dois filhos, "um projeto de irmãos mínimo".