O presidente da Câmara do Porto considera que os apoios do Governo para a habitação são insuficientes e que poderão ter efeitos "dramáticos" - entre eles o fim do "Porto Solidário", o programa autárquico de auxílio ao pagamento de rendas. Numa carta à ministra da Habitação, a que o JN teve acesso, Rui Moreira afirma que as medidas do Executivo tentam inspirar-se nas que o Porto aplica, embora fiquem "muito aquém": não só deixam de fora 12% dos beneficiários do "Porto Solidário" como, em alguns casos, poderão levar à perda de quase 200 euros em apoios. O ministério da Habitação garante que os apoios não estão nem estarão em causa.
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Na missiva, o autarca lembra que o "Porto Solidário" ajuda, atualmente, mais de 1200 famílias a pagar renda. Referindo que o programa já constava das suas propostas eleitorais em 2013 - "numa altura em que o problema da habitação não era ainda visto como prioritário nas políticas públicas" -, considera que ele tem tido "um assinalável sucesso" daí para cá.
Rui Moreira sublinha que, embora o pacote "Mais Habitação" do Governo vise "atingir os mesmos objetivos" do "Porto Solidário", este último tem uma fórmula de cálculo mais benéfica para as famílias. Isto porque, além da Invicta exigir "uma menor taxa de esforço mínima", também apoia "uma percentagem muito superior do valor da renda (até 75%)".
Desta forma, "se nada mais for feito, 88% das famílias que atualmente beneficiam do "Porto Solidário" passarão automaticamente a receber, tal como previsto na lei, o apoio do Governo, perdendo, assim, o apoio da Câmara Municipal do Porto", lê-se na carta. Ou seja, 12% correm o risco de deixar de receber qualquer apoio.
Acusa Governo de ignorar autarquias. Porto Solidário "está extinto"
Esse risco, sustenta Moreira, advém do facto de o regulamento do "Porto Solidário" impedir "a duplicação ou sobreposição" de apoios financeiros. Os auxílios do Governo sobrepõem-se porque serão ativados "de forma automática e não sujeita a candidatura", alega o autarca, que acusa o Executivo de ter ignorado as Câmaras Municipais.
Moreira garante que o Porto "teve o cuidado" de pedir ao Executivo que a intervenção do poder central nas políticas de habitação "fosse articulada com as autarquias, por forma a não preterir toda a intervenção municipal desenvolvida ao longo das décadas em que o Estado se ausentou desta responsabilidade". Embora considere que a decisão do Governo é legítima, o presidente da Câmara retira consequências do facto de não ter sido envolvido.
"Perante esta situação, e não rejeitando a possibilidade de virmos a definir um novo programa municipal supletivo aos apoios agora determinados e garantidos pelo Governo, e de continuarmos a apoiar as famílias que não são elegíveis pelo programa do Estado, consideramos que o programa "Porto Solidário" está extinto, por efeito direto de legislação superveniente", lê-se no documento enviado à ministra Marina Gonçalves.
"Cenário dramático": há famílias que podem perder 200 euros de apoio
Além dos 12% de atuais beneficiários do "Porto Solidário" que correm o risco de perder qualquer apoio, Rui Moreira também assegura que, com o "Mais Habitação", muitos dos portuenses irão ver as suas prestações de apoio às rendas diminuir. Falando em "cenário dramático", dá um exemplo concreto.
"Um casal com filhos, cujo rendimento bruto mensal seja de 1405€ e que pague uma renda de 520 euros (correspondendo a uma taxa de esforço de 37%), atualmente recebe do "Porto Solidário" um apoio de 208 euros, todos os meses. Ora, passando a usufruir do apoio do Estado, em detrimento do apoio do Município do Porto, este casal vai doravante receber, mensalmente, apenas 28 euros", escreve Rui Moreira, sublinhando que esta situação representa "uma perda de quase 200 euros por mês".
Perante a perspetiva de um cenário "economicamente catastrófico", o autarca da Invicta questiona se o Governo e a ministra "têm noção do impacto negativo que a medida agora aprovada terá em milhares de famílias com carência económica" que vivem na cidade.
Apoios não estão em causa, garante ministério
Através do "Porto Solidário", em vigor desde 2014, a Câmara do Porto já investiu mais de 13 milhões de euros em apoios à renda, recorda Moreira. O programa consiste na atribuição de uma prestação, durante 24 meses, aos agregados familiares elegíveis e que se candidatem.
Além das cerca de 1200 famílias atualmente apoiadas, o "Porto Solidário" registou, em 2013, "um novo número recorde de mais de 1000 pedidos de ajuda" em 2023. Segundo Rui Moreira, a dotação orçamental do programa iria ser aumentada "de forma a contemplar, tal como na edição passada, todas as candidaturas aprovadas de acordo com os critérios do regulamento em vigor".
O autarca recorda ainda que o "Porto Solidário" foi criado "em articulação" com Manuel Pizarro, atual ministro da Saúde e que, em 2014, era vereador da Habitação na Câmara do Porto.
Ao JN, fonte do ministério da Habitação garante que os apoios ao pagamento das rendas não serão colocados em causa. A mesma fonte assegurou que o Governo já está, desde a semana passada, a envidar esforços junto do município do Porto, com o objetivo de se chegar a uma conciliação procedimental que permita proteger os auxílios já atribuídos.