Protestos junto ao Parlamento: "Com o populismo a ganhar força, é fundamental estar na rua"
A manhã da comemoração do 49.º aniversário do 25 de Abril fica marcada por duas manifestações opostas junto ao Parlamento, em Lisboa. De um lado ergueram-se cravos e cantou-se a "Grândola, Vila Morena"; do outro, ouviram-se críticas à corrupção e à sessão de homenagem ao presidente do Brasil, Lula da Silva, no hemiciclo.
Corpo do artigo
Desde bem cedo que o perímetro em torno da Assembleia da República estava protegido por grades e estruturas de cimento, separando fisicamente as duas concentrações. Nunca antes nas celebrações do 25 de Abril foi mobilizada tanta força de segurança no local.
Os protestos contra e a favor da visita do chefe de estado brasileiro fizeram dividir as duas ruas principais junto à casa da democracia. Do lado da Avenida D. Carlos I, algumas centenas responderam ao apelo do partido Chega para se manifestarem contra a receção a Lula da Silva no plenário. Já o núcleo do Partido dos Trabalhadores (PT) em Lisboa e outros manifestantes que saem à rua para celebrar o 25 de Abril concentraram-se do lado da Rua de São Bento.
Passado pouco depois das 9 horas, chegavam dezenas de apoiantes de Lula da Silva e vários manifestantes antifascistas à rua de São Bento. Entoam frases como "Em Portugal e no Brasil, sempre em defesa dos valores de abril", "25 de abril sempre! Fascismo nunca mais!" e "O povo unido jamais será vencido!". Vários dos manifestantes da comunidade brasileira estão ligados ao PT e vêm mostrar o seu apoio ao presidente brasileiro neste último momento da sua visita de cinco dias a Portugal. Juntam-se também muitos portugueses que vêm celebrar a liberdade para as ruas.
Logo ao início da manhã, a PSP afastou dois manifestantes, convidando-os a passar para o outro lado das grades, por serem conotados com Bolsonaro.
Rosi Ferreira, residente em Portugal há 17 anos, tem acompanhado todos os passos que o presidente brasileiro deu desde que chegou na sexta-feira passada a Lisboa. Não perde um momento para lhe prestar apoio. "Espero que as pessoas que são a favor do Lula tenham consciência e que estejam aqui para o apoiar, mas também para festejar porque este momento é especial para Portugal", disse.
A apoiante, vestida com uma blusa do Brasil cheia de crachás do PT, critica os brasileiros que estão também neste momento a manifestar-se, mas do outro lado do Parlamento. "Acho que cada um tem o direito de se manifestar, mas também acho erradíssimo os brasileiros que estão cá, são beneficiados dos projetos que o Lula criou aqui já há anos. Se nós somos legalizados aqui hoje, a gente deve isso ao Lula. Então eles deviam abdicar desses direitos se estão aqui para protestar contra ele".
Quando Lula da Silva e a comitiva brasileira chegaram ao Parlamento, ouviu-se o hino do Brasil, mas na rua os manifestantes pró-Lula cantaram o "Grândola, Vila Morena".
Um protesto com dois lados
Desse lado do protesto, vive-se um ambiente de alegria pelos valores de abril e, passado uma hora do início da concentração, continuava a juntar-se mais gente. Dançam e entoam cânticos ao som dos tambores.
"Estamos a celebrar o 25 de abril num momento muito difícil de resistência em que os valores da liberdade e da democracia estão cada vez mais em causa com um discurso populista a ganhar força, por isso é fundamental estar na rua", partilha Sara Lemos enquanto está tranquila a fazer cravos de croché.
"Daqui, deste lado, é gente ordeira, desde sempre. Estamos habituados a estar em manifestações, sempre por causas justas em defesa dos trabalhadores e portanto não há razão nenhuma para que haja problemas. Sabemos que do lado de lá as coisas são diferentes, com tentativas de confronto, aliás como já aconteceu aqui com gente infiltrada", lamenta.
A uns dois quilómetros de distância, e passada a barreira policial, do outro lado, na Avenida D. Carlos I, concentram-se outras centenas de manifestantes, apoiantes do Chega, do movimento Defender Portugal e brasileiros contra a visita de Lula da Silva. Há também apoiantes do partido Ergue-te, de extrema-direita, que se manifestam "contra o regime".
"Neste momento o ladrão está a discursar", anunciam ao megafone na frente da concentração. Os manifestantes assobiam em jeito de reprovação. "Lula, ladrão o seu lugar é na prisão", gritam ao som de tambores, apitos e buzinas.
A avenida enche-se bandeiras de Portugal, do Brasil e da Ucrânia, e outras com o símbolo do partido. "O lugar do ladrão é na prisão" e "Tolerância zero à corrupção" (com os rostos de José Sócrates e Lula da Silva) são algumas das palavras comuns dos vários cartazes.
Enquanto Lula da Silva discursava dentro do Parlamento, cá fora os manifestantes cantaram mais uma vez o hino português, levando as mãos ao peito. Desse lado há poucos cravos e os que existem são pretos por "uma democracia que está de luto".
Joaquim Martins saiu à rua para contestar as palavras recentes do presidente brasileiro. "Quem apoia o Lula tem o sangue dos ucranianos nas mãos. Não concordo que participe numa ação onde não tem a honra suficiente para discursar num sítio que devia ser isento de corrupção". Para o apoiante do Chega, "atualmente são poucos os motivos para festejar a liberdade", culpando a corrupção de tornar "Portugal, com 50 anos de liberdade, um dos países mais pobres da Europa".
Lenilza Dutra, imigrante brasileira, está há 18 anos em Portugal. "Faz o L de ladrão", pode ler-se no cartaz que segura. É a primeira vez que participa num protesto, acreditando que os problemas resolvem-se com a ida às urnas. Mas, descontente com o resultado das presidenciais no Brasil e a vinda de Lula a Portugal, decidiu responder ao apelo do Chega.
"O Lula destruiu o meu país e eu deixei de votar nele. Hoje porque voto noutra opção sou tachada de extremista e da extrema-direita. Se a esquerda vomita democracia pela boca, então tem de aceitar que há o direito de escolha", defende. A manifestante partilha que se tem revisto no discurso do partido liderado por André Ventura. "Eu sou a imigrante que trabalha e paga impostos e vivo como qualquer cidadão português. Se eu quero ter direitos, também devo ter deveres"
Sobre o 25 de abril, considera que é uma data que pertence aos portugueses. "Poderíamos trazer qualquer pessoa do mundo, mas mesmo que trouxesse outras pessoas, eu achava que não havia necessidade. É só politicagem. Mas já que trazem alguém até aqui, que pelo menos tenha respeito pelos portugueses e pelos brasileiros que vivem aqui", critica.
André Ventura juntou-se ao protesto
Terminada a sessão solene do 25 de abril dentro da Assembleia da República, André Ventura juntou-se aos manifestantes, acompanhado pelos deputados da bancada parlamentar do Chega. "Ventura vem em frente, tens aqui à tua gente", gritavam bem alto os manifestantes ao som de tambores. Ao microfone, em cima de um palco, Ventura teceu fortes críticas aos partidos com assento parlamentar por terem recebido Lula da Silva na Assembleia da República. "É tão ladrão o que rouba como o que consente".
Em declarações aos jornalistas, Ventura criticou o presidente da Câmara Municipal de Lisboa por só ter autorizado que o protesto organizado pelo partido ficasse "no primeiro terço" daquela avenida lateral ao Parlamento. "Quero ver quando for uma manifestação de professores ou da CGTP se também os vão colocar aqui. Se nos quiserem afunilar e tratar desta forma, pior do que animais, acho que terão uma resposta muito em breve". O líder do Chega revelou que já fez seguir uma queixa por escrito à autarquia.
"Tenho a certeza que, se puxarmos para trás na memória, não vamos encontrar uma situação como esta. Um partido político que é retirado da frente da escadaria da Assembleia da República, daí passa para um jardim lateral. Desse jardim lateral passa para o início da estrada. E ontem, ao final do dia, somos informados de que não pode haver palco, nem pode haver som, e somos postos ao primeiro terço da rua", criticou.