O presidente da República eleito, Marcelo Rebelo de Sousa, afirmou esta segunda-feira que o panorama da comunicação social "é hoje muito mais difícil do que o era há 30 ou 20 anos porque há uma componente financeira e económica poderosíssima e que está a condicionar a comunicação social em vários países".
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Ao referir os casos de encerramento de vários títulos nos últimos anos, considerou que "é preciso heroísmo para continuar o percurso na comunicação social porque novas realidades apareceram" e sublinhou que "o papel da comunicação social é essencial para a democracia". "Todos os dias se cria democracia através da comunicação social", rematou.
As declarações aconteceram durante a sua intervenção de abertura da conferência "Comunicação Social - de Emídio Rangel aos tempos de hoje" que teve lugar no Auditório Vítor Macieira da Escola Superior de Comunicação Social, em Lisboa. A iniciativa decorreu no âmbito das comemorações do 28ª aniversário da TSF, poucas horas antes de se assinalar também a passagem de testemunho na direção da estação, passando de Paulo Baldaia para o novo diretor David Dinis.
A conferência serviu ainda para homenagear Emídio Rangel, fundador da TSF, falecido em 2014. "Ele era radical em tudo na vida e por um amigo ele arrombava fechaduras e assaltava casas. Por amizade ou no combate por causas ele era ilimitado porque era apaixonado", lembrou Marcelo. Ao criar a estação, Rangel trouxe um "jornalismo muito incisivo". "Com uma visão de mudança ele foi o primeiro a perceber o que estava a mudar na comunicação social em Portugal e criou uma nova realidade na rádio e na televisão". "A TSF surgiu com uma nova conceção de jornalismo radiofónico, um jornalismo político, todo o dia, todo o terreno e com uma capacidade de reportagem como não havia". Marcelo confessou-se "um apaixonado pela comunicação social" e recordou com carinho a sua passagem pela TSF como comentador nos anos 90. Agora, assegura, "a probabilidade de eu voltar à comunicação social é praticamente nula mas a paixão fica".
Ao longo de mais de três horas discutiram-se temas como "Democracia de pluralismo - o estado da comunicação social" e "Modelos de negócio e sustentabilidade dos media", com direito a várias intervenções. O presidente da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), Carlos Magno, apontou que "o presente exige de nós uma outra atitude, provavelmente a atitude que o Rangel teve quando se lembrou de fundar isto contra tudo e contra todos". "É preciso refundar o jornalismo e é preciso dizer que o jornalismo de cidadãos é uma treta e que o jornalismo é uma atividade profissional que custa dinheiro, exige investimento e tem de ter uma atitude, uma ética, um código deontológico e tem de ser remunerado e é preciso que se perceba que sem jornalismo não há democracia".
O historiador e comentador Pacheco Pereira traçou um panorama algo pessimista do atual jornalismo, considerando que existem "falências significativas" na forma como a informação é dada e criticando opções editoriais "que preferem a espetacularidade em vez do serviço que interessa às pessoas". "Não penso que haja um sólido pluralismo na comunicação social", disse ainda.
Esta última declaração recebeu a discórdia de Daniel Proença de Carvalho, Presidente do Conselho de Administração do Global Media Group. "Nós vivemos um período de total liberdade de expressão e pluralismo a todos os níveis e hoje todos os quadrantes políticas e ideológicas se manifestam e os meios de comunicação social exprimem essas várias correntes", assegurou. "Mesmo relativamente às chamadas questões fraturantes, todas essas correntes têm tido liberdade de se exprimir".
Daniel Proença de Carvalho aproveitou ainda para comentar a recente questão das reacções ao cartaz do Bloco de Esquerda e a associação que muitos fizeram ao slogan "Je suis Charlie". "Francamente eu não faria nenhuma comparação entre esse cartaz ou as pessoas que sobre ele se exprimiram com o que se passou com o Charlie porque em Portugal ninguém utilizou qualquer violência física ou coacção moral sobre o Bloco de Esquerda, as pessoas apenas criticaram e não creio que tenha havido um fenómeno de asfixia".
A fechar a conferência, João Soares, ministro da Cultura, realçou que Emídio Rangel "é ainda hoje um modelo" e foi "um grande homem da liberdade". "Precisávamos da ajuda e da audácia do Emidio Rangel para enfrentar todos estes desafios", disse.