Marcelo Rebelo de Sousa: "Onde não há comunicação social forte, não há democracia forte"
O "Jornal de Notícias" faz 135 anos. 135 anos significa que o "Jornal de Notícias" viveu o fim do século XIX, a transição para o século XX, o termo da monarquia, com todas as suas agitações e experiências contraditórias, a Revolução Republicana, a Primeira República, também ela enfrentando situações muito, muito desafiantes, das quais talvez a mais importante foi a Grande Guerra (...).
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Mais tarde, veio o 25 de Abril, a Revolução e o pós-Revolução, até, apenas oito anos depois do 25 de Abril, se poder falar da primeira revisão constitucional de uma democracia plena, alicerçada na legitimidade do voto popular no nosso país. Tínhamos tido na monarquia liberal algumas liberdades, mas não democracia, tínhamos vivido na Primeira República mais liberdades, mas ainda não democracia, a ditadura, por definição, foi antidemocrática. A democracia teve o seu alvor no 25 de Abril, teve um processo evolutivo, apesar de tudo lento até 1982, e a partir daí é uma aceleração, porque após a descolonização e a democracia plena, optámos pela Europa, melhor dizendo, pelas comunidades europeias. Nelas, verdadeiramente, vivemos todos os passos até à integração monetária, até à criação do euro, já no final do século.
A partir do final do século, vivemos ao mesmo tempo uma fase intensa de reprivatizações de setores nacionalizados durante a Revolução. E o século XXI, que é testemunhado também pelo "Jornal de Notícias", é um século, se possível, ainda mais acelerado. Temos a aceleração própria da realidade da Europa, uma vez convertidas as comunidades europeias em União Europeia, temos a aceleração do processo iniciado no final do século anterior da Comunidade de Países de Língua Oficial Portuguesa (CPLP), temos a integração crescente no mundo ibero-americano, temos as nossas parcerias com todos os continentes, temos a fidelidade à NATO, mas agora num contexto diferente, porque o Mundo já não era bipolar, passou a ter um só polo, nos Estados Unidos da América, e depois um polo com aliados, e depois uma tentativa de multipolarismo, com multilateralismo, até chegarmos a este tempo, que é um tempo de parêntesis no multilateralismo, de afrontamento entre potências - direto ou indireto -, do avultar da superpotência dos Estados Unidos da América, da conversão progressiva da antiga superpotência União Soviética e, mais tarde, Federação Russa, em potência regional, o crescer da nova potência global, a República Popular da China, e depois as emergências a ritmos diferentes e com afirmações também diversas de potências regionais, como a Índia, quase global, o Brasil e a República da África do Sul.
É um novo Mundo em termos geopolíticos, mas é também um novo Mundo em termos científicos e tecnológicos. A transformação energética, a introdução do digital, o salto que o digital deu desde os anos 70 e 80 do século passado, até termos em Portugal uma cimeira mundial digital [Web Summit].
Mas ao mesmo tempo que há esses avanços e outros, em alguns domínios da educação, da investigação, da ciência, encontramos também mais desigualdades. Uma pobreza que permanece à escala mundial, como numa certa medida à escala europeia e nacional. A pobreza aumenta nos períodos de crise e diminui nos períodos de expansão, por curtos que sejam. E depois há desigualdades entre pessoas, funções, territórios e entre idades. Há um fosso entre os menos e mais jovens, sobretudo nos países europeus, e Portugal é dos que mais envelhecem. Tudo isto cria, realmente, economias e sociedades a ritmos diferentes, a velocidades diferentes, com desafios que, numa parte, são os mesmos e outros são também distintos.
O "Jornal de Notícias" assistiu a tudo isto, mas não assistiu parado, de braços cruzados. Claro que durante o tempo da ditadura esteve sujeito à censura, chamasse-se ela censura ou exame prévio. Mas tentou, na linha da sua tradição liberal, sempre que possível, procurar espaço de liberdade. Em democracia, teve e tem um papel fundamental na defesa da liberdade de expressão, do pluralismo, da democracia. Mas também dos vários nortes, do Porto, claro, antes do mais, mas dos vários nortes de que se compõe o nosso Norte - o transmontano, o minhoto, e nele, com uma expressão especial, a área metropolitana de Braga, mas também o centro-norte (...).
A comunicação social atravessa, tenho dito nos últimos sete a oito anos, uma crise económica e financeira terrível. Não é só em Portugal, mas também em Portugal. Começou na imprensa local, depois nas rádios locais, depois imprensa nacional, depois rádios, televisões, e isso é um travão à democracia. Onde não há comunicação social forte, não há democracia forte.
Há um grande desafio para a nossa democracia, que se avizinha dos 50 anos de idade. Como é que vamos entrar nos próximos 50 anos? Temos de entrar com uma democracia política mais forte, uma comunicação social mais forte, liberdade e pluralismo mais fortes e parceiros políticos e sociais renovados, ajustados ao que mudou em Portugal, na Europa, no Mundo. Temos de entrar com menores desigualdades e menor pobreza, maior crescimento económico, social e cultural. Temos de entrar com, ainda se possível, maior afirmação daquilo em que já somos de excelência: sermos plataforma entre continentes, oceanos, culturas, civilizações, povos. Temos de entrar com uma aposta não só na coesão social, mas na educação, na formação, no conhecimento, na língua. Porque isso é fundamental para a nossa dimensão universal.
Tudo isto são apostas de todos, mas também do "Jornal de Notícias". Para isso é preciso que ele exista, seja forte, tenha futuro, e tenha um futuro, à medida do seu longuíssimo e riquíssimo passado. É o que eu desejo. Desejo como leitor, como esporádico colaborador, como cidadão, como alguém com raízes nortenhas, mas desejo, sobretudo, como presidente da República Portuguesa. Muitos anos de vida. Mais cinco, mais cinco, mais cinco, até aos 150 anos, e depois por aí adiante.
Presidente da República