Poucos dias depois de firmar um acordo histórico com Espanha sobre a gestão dos rios ibéricos, Maria da Graça Carvalho elege a poupança da água como uma bandeira nacional.
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A ministra do Ambiente e Energia admite sanções para os municípios que não cumpram com essa exigência e garante que a taxa de carbono nos combustíveis ficará inalterada até 2025. A eletricidade, essa, não pode aumentar acima da taxa de inflação.
Nesta semana em que participou na Cimeira Ibérica entre Portugal e Espanha, não sabemos, no entanto, se do lado espanhol houve algum tipo de contrapartidas, nomeadamente o aval ao aumento da capacidade do Boca-Chança para levar a água do Guadiana para o Elba. Houve algum entendimento, algum pedido expresso da parte de Espanha para a utilização da água que vem do Alqueva?
O acordo tem de ser agora submetido à Assembleia da República e tem de ter também um trâmite em Espanha. A definição dos caudais ecológicos do Guadiana a partir do Pomarão, que ainda não estavam definidos na Convenção de Albufeira. Portanto, isso foi feito, foi a principal conclusão deste conjunto de acordos ao nível da água.
E essa capacidade vai ser aumentada, como Espanha quer?
Não, não vai ser aumentada. A primeira prioridade é o rio e os caudais ecológicos do rio. Do que sobrar dos caudais ecológicos do Guadiana, Portugal e Espanha acordaram usar até 60 hectómetros cúbicos por ano, em partes iguais. O que Espanha utilizar, Portugal pode utilizar. Isto corresponde a uma diminuição do que tem acontecido nos últimos anos. Nós temos de manter o ecossistema a funcionar, um ecossistema saudável. Do lado de Portugal, vamos utilizar 30 hectómetros cúbicos para a tomada de água de Pomarão e fornecer ao Algarve, o que nos vai permitir, por exemplo, fazer uma ligação tão desejada pelo Baixo Alentejo, fazer a ligação do Alqueva à barragem de Santa Clara e, portanto, ao rio Mira e resolver os problemas de falta de água da região do Mira. Além deste resultado do Guadiana, que foi muito importante, tivemos um acordo em relação ao rio Tejo, de caudais mínimos diários. Portanto, essa época do rio Tejo sem água acabou.
É possível aumentar a capacidade de armazenamento de água sem novas barragens?
Este trabalho que foi feito com muita minúcia para o Algarve está agora a ser feito para o Baixo Alentejo. E vamos fazê-lo para todo o país. Vamos precisar, mas em condições excecionais, de algumas barragens. A barragem do Pisão foi já autorizada, já há concurso, é um projeto PRR. Trata-se de uma barragem que era esperada pela população do Alto Alentejo há 57 anos. Espero que no fim de 2026 seja uma realidade.
E quanto às perdas de água?
A nossa prioridade é poupar água, diminuir as perdas e depois aumentar a capacidade. Criando novas fontes de água, por exemplo, como aconteceu na dessalinizadora do Algarve, cujo contrato foi assinado esta semana. O Algarve fica com os problemas de água resolvidos para uma geração, com o Pomarão, com a dessalinizadora e com as outras obras de aumento de capacidade de várias barragens. Todos os municípios, ou praticamente todos os municípios, estão a fazer obras pagas pelo PRR para diminuir as perdas de água e isso é algo que temos de fazer em todo o país. Há municípios que já resolveram, como Vila Nova de Gaia, mas há outros municípios que têm perdas de água muito superiores a 30%. Tudo isto vai ser visto, de norte a sul. Temos de continuar a poupar água, porque é um bem escasso. Poupar água é um lema para todo o país.
No Algarve foi muito visível…
O Algarve teve restrições muito duras, ainda decididas pelo anterior Governo, mas com as quais eu concordo. Pudemos aliviar essas restrições em maio, porque tivemos mais chuva no princípio do ano, mas os algarvios sabem bem o que é não poder regar ou não ter água em todas as horas do dia.
Está alguma coisa em marcha ou prevista para o próximo verão no Algarve?
Nós fazemos a avaliação da condição das barragens e dos consumos todos os dois meses. A próxima que vai ser feita será no fim do ano. Na última que fizemos, verificámos que continuávamos a ter água para um ano. Os projetos em marcha no Algarve vão duplicar a capacidade, vão-nos dar 75 hectómetros cúbicos, que é praticamente o consumo urbano da região. Nós verificámos em setembro que a agricultura poupou muita água desde janeiro, poupou cerca de 30%. Os hotéis, e especialmente os grandes hotéis, pouparam cerca de 14%. E o golfe também teve um bom comportamento, porque está a usar água reciclada e poupou 22%. Os municípios que deviam poupar 10% pouparam cerca de 9,6%, 9,7%. E é muito diferente de município para município. Portanto, alguns municípios pouparam bastante, muito acima de 10%, outros pouparam menos e, portanto, nós fizemos já uma recomendação a esses municípios que pouparam menos que 10% que têm de fazer um esforço maior. Caso não façam esse esforço, quando fizermos a contabilização do ano, poderá haver sanções.
Essas sanções podem estender-se a outras regiões que tenham problemas crónicos de falta de água ou estamos a falar especificamente do Algarve?
Neste momento, estamos a olhar para o Baixo Alentejo. Preocupa-nos a região do Mira, que pode ficar resolvida com este acordo em Espanha. Estamos também a ter reuniões com o ministro da Economia para termos um modelo sólido para a água na região de Sines.
Esclareça-nos: essas sanções podem traduzir-se em quê? Em multas? Em agravamento do preço da água?
Ainda não decidimos exatamente, mas temos capacidade de o fazer em matéria de restrições, como já fizemos numa resolução do Conselho de Ministros de fevereiro deste ano. Houve restrições de água que foram cumpridas e que foram verificadas, como indicações e recomendações em relação à tarifa da água. Isso é competência da ERSAR. Há vários mecanismos que nós podemos utilizar.
Na água para consumo humano, a ERSAR denunciou a existência de tarifários muito diferenciados praticados precisamente pelas autarquias. Para quando a existência de preços homogéneos no consumo de água?
Tivemos uma decisão em Conselho de Ministros há pouco tempo: passar a responsabilidade da tarifa da água, que estava, desde 2022, no Governo, para o regulador independente a partir de 1 de janeiro de 2026. No entanto, e como foi referido pela Associação Nacional de Municípios, a tarifa vai continuar a ser definida pelos municípios. A ERSAR terá uma atuação maior e fará recomendações vinculativas, no caso do não cumprimento do estabelecido por lei.
Na área dos resíduos urbanos, a deposição em aterro está a ficar esgotada. Pergunto-lhe se o Governo tem alternativas, tendo em conta até que as diretivas europeias estimam que até 2035 só 10% dos resíduos sólidos urbanos devem seguir para aterro.
Vamos muito em breve ter novidades. Estamos a preparar uma estratégia para os resíduos. Neste momento, temos uma taxa de 59%, no ano passado era de 57%, portanto, um valor muito, muito longe dos 10%.
Em que consiste essa nova estratégia?
Vamos ter uma campanha muito detalhada, de norte a sul do país, com os órgãos de Comunicação Social, nas escolas, uma campanha financiada pelo Programa Operacional Sustentável, no sentido de reduzir a quantidade de resíduos que se produzem por pessoa em Portugal, que continua também a aumentar. Em segundo lugar, uma estratégia de economia circular, que também tem sido difícil de implementar. Depois, vamos continuar a implementar a questão dos biorresíduos e da recolha seletiva de biorresíduos.
A taxa de carbono pode vir a render mais de 500 milhões de euros ao Estado em 2025. É para manter o seu descongelamento progressivo ou o Governo admite parar caso haja alguma pressão dos mercados petrolíferos?
A taxa de carbono foi descongelada há pouco tempo. Não está previsto, nem é a intenção do senhor ministro das Finanças fazer um novo descongelamento. Portanto, vamos fixar no valor que está agora.
Nesta legislatura, pelo menos, é essa a garantia?
Durante 2025. Agora, se existir uma crise a nível internacional, definimos um mecanismo de uma forma muito clara para o caso de uma emergência, de uma subida rápida e profunda dos preços da energia, sejam eles os preços de eletricidade, o preço do gás ou do petróleo. E porque fizemos isto? Para evitar uma subida rápida como quando da invasão da Ucrânia. Agora estão definidos os critérios, se aumentar X, os estados-membros regulam, sem ser necessário fazer um processo legislativo europeu. Podemos atuar limitando os preços e ajudando a indústria e os consumidores, principalmente os consumidores mais vulneráveis.
Vivemos com um défice tarifário na energia, que aponta para 1652 milhões de euros. O Governo, neste Orçamento do Estado, optou por ir às receitas obtidas com a taxa de carbono e o imposto sobre os produtos petrolíferos, o ISP, bem como também com a contribuição extraordinária para o setor energético. Com este mecanismo, com esta arquitetura financeira de financiamento, o Governo não está a dar um pouco a ilusão de tarifas baixas?
Nós precisamos de ter tarifas baixas. Houve uma decisão política e a nossa orientação à ERSE foi de que o aumento da tarifa da eletricidade não devia ser superior à inflação, ao índice de aumento de preços definido pelo INE, que é, penso, de 2,1%. Para nós é importante não ter neste momento um aumento da tarifa. Como eu disse, nós queremos fazer a transição energética justa. Não podemos aumentar o preço da eletricidade acima da inflação.
O novo Governo não mexeu nos contratos de exploração do lítio, que tem sido alvo de muita contestação. Pergunto-lhe se a estratégia é para manter como até aqui.
Vai ser apresentada muito em breve o fim da estratégia completa. Apresentámos os nossos princípios políticos, há dois meses, para as matérias-primas críticas. Não é só o lítio, nós temos cobre, há muitos outros minerais que existem em Portugal e que são essenciais para a eletrificação da sociedade.
Qualquer exploração dos nossos recursos minerais tem de ter o menor impacto possível para o ambiente, tem de utilizar as melhores tecnologias disponíveis a nível mundial de modo a não impactar o ambiente, e tem de envolver as populações locais, qualquer projeto tem de ser discutido com as populações locais desde o início, desde que começam a pensar no projeto e envolvê-las também...
Mas não estão muito entusiasmadas com a ideia, como sabe.
Não, porque não foram envolvidas desde o início. Há várias formas de envolver, até com ações, com compensações financeiras. Nós não queremos ser um país só exportador de minério, nós queremos ser um país que, por ter esse minério, atraímos indústria e criamos postos de trabalho.