Maria João Ruela nega contacto com Santa Maria sobre gémeas: foi "lapso" de Belém
Maria João Ruela, consultora de Belém, disse esta quarta-feira que não contactou o Hospital de Santa Maria, atribuindo informação do relatório da IGAS ao "lapso na comunicação passada ao presidente da República sobre o hospital que foi contactado". E contou que o filho de Marcelo se queixou dela ao chefe da Casa Civil.
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A consultora da Casa Civil para os assuntos sociais e as comunidades está ser ouvida pelos deputados da comissão parlamentar de inquérito ao caso das gémeas tratadas no Hospital Santa Maria, defendendo a tese de Belém de que o caso "não teve um tratamento de excecionalidade". "Da Presidência da República não houve qualquer tipo de ajuda a qualquer pretensão que pudesse existir da parte de Nuno Rebelo de Sousa", defendeu.
Maria João Ruela confirmou que recebeu um email que tinha sido encaminhado pelo chefe da Casa Civil para perceber o que estava em causa na petição feita pelo filho do presidente da República. Explicou que tomou "duas iniciativas" ou "duas diligências". Uma delas passou por contactar o remetente do pedido, Nuno Rebelo de Sousa, para clarificar se as crianças estavam no Brasil ou em Portugal. E a resposta chegou no mesmo dia. O filho de Marcelo respondeu que viviam em São Paulo, mas que os pais tinham já tudo preparado para viajar para Lisboa.
"Não foi com a intenção de dar nenhum aconselhamento. Foi para obter informação, só isso", afirmou na sua audição perante a comissão de inquérito. "Tratei isto como se tivesse vindo do senhor Nuno Silva", exemplificou mais à frente.
A consultora da Presidência insistiu que não contactou com o filho de Marcelo sem ser por email: "nunca tive nenhuma conversa, apenas falamos por email". E também afirmou que não utilizou os contactos dos pais das gémeas que lhe forneceu. "Nunca contatei com os pais", assegurou.
Quanto à segunda diligência, diz tratar-se de um "procedimento habitual" para reunir informações de enquadramento e acompanhar as comunicações que chegam ao chefe de Estado. "É isso que faço: pegar no telefone e perceber como as coisas se fazem", reforçou. E insistiu ser habitual dar seguimento de comunicações para gabinete do primeiro-ministro.
Sobre os contactos com o filho do presidente, Maria João Ruela afirmou que, depois da segunda comunicação, Nuno Rebelo de Sousa deixou de a contatar e passou a comunicar diretamente com o chefe da Casa Civil, Fernando Frutuoso de Melo.
"Lamentou ao meu chefe a minha inação porque os pais da criança ainda não tinham sido contactados", disse aos deputados. "Escreveu um email ao meu chefe queixando-se de que eu não fiz nada", reforçou mais adiante na audição.
"Não fiz nada. Se calhar essa é a minha medalha neste caso", respondeu, quando questionada se foi repreendida, o que diz não ter acontecido.
Sem memória do contacto com hospital
A assessora garantiu depois que não contatou com o Hospital de Santa Maria, admitindo o contacto com o Hospital Dona Estefânia que lhe foi atribuído na véspera pelo chefe da Casa Civil, mas dizendo não se recordar como e com quem falou. "Não tenho registo", disse aos deputados, mas recordando a informação que conseguiu. "A resposta que me deram é que a decisão era médica, dos hospitais e do Infarmed", contou, notando que reportou isso a Frutuoso de Melo que, por sua vez, informou o presidente.
Na resposta que escreveu a Nuno Rebelo de Sousa, Fernando Frutuoso de Melo referiu que Maria João Ruela "falou com o hospital" e que havia lista de espera. Sobre esta questão das listas de espera, remeteu para as declarações na véspera do chefe da Casa Civil de que, afinal, a existência de listas de espera nesta matéria eram um "engano" seu.
"A nossa convicção era de que as bebés teriam ficado no Dona Estefânia. Desliguei-me deste processo ao fim de dois dias", respondeu Maria João Ruela. E "nem sequer sabia que elas tinham sido tratadas".
Assessora contraria relatório da IGAS
"Eu não contactei com o Hospital de Santa Maria", reforçou depois, quando confrontada com o facto de esse contacto ser referido no relatório da Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS), que por sua vez cita um comunicado da Presidência da República. Em causa diz estar "um lapso na comunicação que foi passada ao presidente da República sobre o hospital que foi contactado". Em causa está a conferência de imprensa a 4 de dezembro de 2023, um mês após o caso ter sido tornado público.
A assessora disse conhecer essa incongruência apontada no relatório, apesar de ter dito inicialmente que não conhecia o documento. Ressalvou depois que não conhecia a totalidade, após ser acusada por André Ventura de mentir à comissão de inquérito.
Casa Civil esclarece que pedido à assessora foi em papel
Não fica claro de que forma é que Maria João Ruela foi instruída para obter informações sobre o caso. Começou por referir que foi por email do chefe da Casa Civil, mas depois admitiu que possa ter sido "falado" quando confrontada com o facto de essa comunicação não constar dos emails entregues à comissão.
Os deputados receberam mais tarde um ofício da Casa Civil esclarecendo que não existe o email que gerou um momento de tensão entre o líder do Chega e Maria João Ruela. O mesmo ofício refere que o pedido de informação foi passado à assessora em papel.
No final da audição, a assessora fez ainda outro desabado, garantindo não ter conhecimento de contactos com o Executivo. "Não houve nenhum contacto com o Governo, meu Deus se tivesse havido", referiu.
Maria João Ruela contou ainda aos deputados que, desde 2016 até final de 2023, chegaram mais de 32 mil pedidos à assessoria dos assuntos sociais e comunidades portuguesas. Só em 2019, foram 4947 cartas e emails, dos quais 434 remetidos ao gabinete do primeiro-ministro, relatou. Em 2024, já foram remetidas mais de 200 comunicações ao primeiro-ministro.
PSD consegue documentos sobre seguro
Na segunda ronda da audição, o deputado do PSD António Rodrigues comunicou que obteve os documentos da apólice de seguro e o processo em tribunal que a mãe das crianças recusou enviar à comissão, conforme foi comunicado pelo advogado. No início da reunião desta quarta-feira, os deputados tinham decidido não avançar com uma queixa por desobediência.