Mariana Mortágua foi a um bairro pobre do Porto onde não é preciso um apagão para a luz falhar
O BE foi hoje à Associação de Moradores do Bairro de Aldoar conhecer a realidade de quem vive sem água e eletricidade, num lugar onde a comunidade se organizou "para chegar onde o Estado não chega". "É gente que trabalha e não consegue fazer face às despesas", diz Mortágua. E é para essa gente que tem feito campanha.
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A chegada da comitiva do Bloco de Esquerda atrasou a rotina diária de Esmeralda Mateus, que dedica cada manhã à preparação de sacos com comida para doar a quem sobrevive no Bairro de Aldoar, onde mora desde que foi criado, há 56 anos, e que tem levado às costas há várias décadas, mesmo antes de presidir à Associação de Moradores - cargo em que se reforça e legitima todos os dias. "Eu vivo aqui, esta é a minha casa, quase nem durmo", conta, com um orgulho que lhe atropela as palavras, aos visitantes que hoje recebeu no espaço que é ponto de encontro, café, armazém de comida, fábrica de costura e também lar. Há de cá ficar até por volta da meia-noite, à espera do último carregamento de doações.
Esmeralda, 73 anos geniquentos, não pára: faz sopa para dar, gere os bens essenciais que chegam de vários supermercados, trabalha no guarda-roupa para o cortejo veranil das Festas de São Bartolomeu, vai à assembleia da Junta fazer de "papagaio", resolve os problemas que a espuma suja dos dias traz à superfície. "Às vezes até me vêm as lágrimas aos olhos." É que ali a comida não abunda, a falta de pagamento corta a água (serão 20% nessa situação, atira) e não é só em dia de apagão que a luz desliga ("já chegou aos 85%"). "É uma luta constante. Vivo os problemas desta gente, vivo! Não queria que estivessem assim." A voz embarga mas não cala. "Estou sempre a telefonar para o bairro ser limpo. 'Esmeralda, Esmeralda, a minha fossa está entupida, o meu cano está roto.' É para mim que vêm, é tudo aqui a associação. Foi a herança que o covid me deixou", conta.
"Quem precisa de vir cá é quem trabalha. Porque o salário é tão pouco, uma miséria, que as pessoas têm de vir buscar uma roupinha para os filhos e a sopinha para a noite. Ganham o salário mínimo, pagam a sua renda, pagam a luz, a água, porque se não pagarem, cortam logo...". E, ao fim de 50 dias, "é o dobro da água a pagar". Emociona-se ao falar das carências. Das famílias com muitos filhos que lhe vêm pedir ajuda e do senhor da sua idade que vive sem luz e sem água. "É assim, ele não se importa de estar sem luz, a água é que lhe faz falta, anda aos garrafões."
É desse "país real", feito de "gente que trabalha e não ganha o suficiente para as despesas mensais" e de "pessoas que trabalharam uma vida inteira e não têm uma reforma que lhes permita ter as condições que merecem", que Mariana Mortágua quer falar. "Viemos a este bairro chamar a atenção para a população invisível deste país. Viemos a um bairro pobre do Porto, onde a comunidade se organiza para chegar onde o Estado não chega, para poder chegar ao combate à pobreza", diz a coordenadora do Bloco de Esquerda (BE), acompanhada pela cabeça de lista pelo Porto, a deputada Marisa Matias, sublinhando que Portugal tem "900 mil trabalhadores que trabalham e são pobres" e "muitos outros que trabalham e mal chegam ao final do mês". Mais tarde, em Guimarães, a comitiva bloquista há de acabar o dia a falar sobre como "taxar os ricos", porque "há uma ligação".
"Num país onde tanta gente é pobre e trabalha para ganhar pouco mais de mil euros, há muita gente a acumular fortunas milionárias porque o preço das casas sobe, o preço da eletricidade sobe, o preço dos bens essenciais no supermercado sobe. Subir salários, subir pensões e respeitar o trabalho por turnos também é pedir um pequeno contributo a quem tem mais para investir naquilo que é de todos", diz Mortágua aos jornalistas, defendendo um alargamento das tarifas sociais de água e da eletricidade. "Devia haver uma base de consumo para que ninguém tenha de viver sem luz ou a morrer de frio", reforçou, falando dos idosos que "contam minutos de aquecedor por não conseguirem pagar a conta ao fim do mês". Ainda assim, "mais importante" do que essa "medida paliativa", é a subida dos salários. "Aumentando os salários hoje, conseguimos garantir melhores reformas amanhã. Subindo as pensões, conseguimos garantir uma vida digna a quem trabalhou tantos anos."
Desvalorizando as sondagens, que "tem havido para todos os gostos" e que já mostraram "não ser de confiança", Mariana Mortágua, este ano protagonista de uma campanha menos expansiva em comparação com as de outros partidos, tem-se focado no que quer "dizer ao país". "Esta campanha é sobre salários, é sobre quem ganha mil euros, é sobre quem trabalha e ainda é pobre, é sobre o preço das casas, sobre quem trabalha por turnos e à noite, sobre o país real que faz a economia andar para a frente. Uma economia com muitas desigualdades", reitera, sempre com o foco em quem tem menos. "O Parlamento já tem muita gente a batalhar por quem tem mais".