Marisa Matias acredita que há margem para novos entendimentos à Esquerda e defende um pacto em torno de "um contrato para a saúde". Para a recandidata à Presidência da República, apoiada pelo BE, um instrumento como a geringonça continua a fazer sentido em plena crise pandémica e a relação entre Marcelo e Costa serviu para travar uma solução "mais robusta". Quando prevê a reeleição do presidente à primeira volta, ataca o PS por "demitir-se do combate". Garante ainda que não daria posse a um Governo apoiado no Chega.
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Aponta para novos entendimentos à Esquerda. Há condições para negociar com este Governo e com o PS no Parlamento, após o BE ter votado contra o Orçamento do Estado (OE)?
Temos na Assembleia uma composição e uma maioria que permitem pensar na possibilidade de novos entendimentos, que são necessários em questões essenciais para o regime como o Serviço Nacional de Saúde (SNS). Um contrato para a saúde é absolutamente fundamental. Não vejo qualquer elemento que bloqueie tal possibilidade. E um presidente pode contribuir para se encontrarem soluções.
Espera beneficiar do papel de oposição que o BE assumiu ou receia ser penalizada por não ter apoiado este OE em plena pandemia?
O que entendo é que há margem e espaço para novos entendimentos à Esquerda. Quanto ao resto, o indicador mais palpável que tenho é a forma como muitas pessoas, de vários quadrantes políticos e até sem ligação a partidos, se juntaram a esta candidatura pela defesa intransigente do SNS e por um pacto mais alargado para termos um contrato na saúde, que proteja o SNS em termos de estruturas, financiamento e também dos profissionais.
Havia vantagem num candidato único da Esquerda?
Nunca vejo vantagem em reduzir espaço democrático. A reeleição do presidente, como nos parece que acontecerá logo à primeira volta, tem a marca de uma continuidade que, no que depender da dupla Marcelo/António Costa, não vai mudar. Não é indiferente se um programa que coloca o SNS, o combate à precariedade e às alterações climáticas no centro da campanha tem mais ou menos força eleitoral. Maior será a capacidade para influenciar entendimentos. Essa reeleição significa uma continuidade que não nos ajuda nem protege neste contexto de crise. É a continuidade na precariedade e nas relações promíscuas dos privados no que respeita ao SNS. E houve até influência direta por parte do presidente para a manutenção dos privados.
Nas últimas eleições, concorreu num contexto diferente. Tínhamos a chamada geringonça a combater a austeridade.
Há cinco anos, estávamos a sair de uma crise. Havia um instrumento político, a geringonça, que permitia responder com uma linha política de combate à austeridade. Neste momento, estamos ainda em plena crise. Esse instrumento continua a fazer sentido. Não há razão para não poder haver no futuro um instrumento político que consiga conjugar esses esforços à Esquerda, no modelo que se entender.
Qual o seu maior adversário nestas eleições?
O meu adversário é Marcelo Rebelo de Sousa. É na sequência do seu mandato que decido recandidatar-me. Não fez tudo o que poderia ter feito para proteger mais o país e as pessoas. Por isso nos encontramos outra vez numa situação de crise.
O que a distingue da candidatura de Ana Gomes?
As diferenças ficarão claras ao longo da campanha. Mas parece-me evidente uma diferença em termos de aceitar e acomodar-se com a resposta à crise que está a ser encontrada. Ana Gomes disse que aceitaria. Penso que é claramente insuficiente.
O apoio de Francisco Ramos, coordenador do plano de vacinação contra a covid-19, é o seu trunfo?
Não creio que deva haver leituras de aproveitamento ou de trunfo. Não vejo ninguém comentar se é uma vantagem António Costa ter declarado apoio a Marcelo.
Qual pensa ser a razão para não haver candidato do PS?
O PS demitir-se deste combate não é um bom serviço à democracia.
Mas como vê a aproximação a Marcelo?
Uma boa relação entre Governo e Presidência não é necessariamente uma coisa negativa. Agora, ser usada para criar entraves a soluções mais robustas de resposta à crise já me parece algo mais negativo. Comentando o OE, Marcelo disse haver limitações de ênfase social. Estava na posição perfeita e ideal para ter influenciado o desfecho do OE de modo a ter maior proteção social, tal como usou a sua influência para manter os privados na Lei de Bases da Saúde.
Concorda com a forma como Governo e Belém têm gerido a pandemia?
Era impossível ter respostas perfeitas ou muito boas desde o início. Mas houve uma fase em que se desconsiderou o impacto e a inevitabilidade da segunda vaga. Não existiu a devida preparação. E a resposta falha sobretudo na proteção social. Além disso, após a pandemia o SNS estará enfraquecido. Esta é a oportunidade para reforçá-lo.
O SNS está em perigo?
Está em perigo. E com ele está a democracia em perigo.
Presidente não pode dar posse a Governo que dependa do Chega
Teria aceite a solução que foi decidida para os Açores de um Governo apoiado no Chega? Aliás, Marcelo disse que daria posse a um Governo nacional nos mesmos termos. No seu caso, não daria posse?
Não. E a discussão que estamos a ter em relação aos Açores diz mais do PSD do que do Chega. Nesta matéria, temos o papel do Tribunal Constitucional em relação à legalização do partido e depois temos o papel do presidente, que é um papel político. A Constituição é muito clara em relação a partidos com claras e evidentes ideologias racistas e de pendor totalitarista.
Qual considera que deve ser então o papel do presidente da República?
É papel do presidente proteger a Constituição e não dar posse a governos que dependam de uma força de extrema-direita, seja ela qual for. O exemplo de Angela Merkel na Alemanha é fundamental para percebermos o que está em jogo. E o facto de, naquele país, se ter criado um cordão sanitário [à extrema-direita] é o que está a ajudar a proteger a democracia e também o Estado de direito. Há, de facto, uma necessidade de cordão sanitário, de proteger a democracia.
Então, o que deve fazer o chefe de Estado?
Deve proteger a Constituição, incluindo esse cordão sanitário.
Não daria posse a um Governo do PSD apoiado no Chega se essa solução resultasse das próximas eleições legislativas?
Um presidente não pode dar posse a um governo que dependa do Chega.
Considera, portanto, que deveria existir uma agenda europeia mais específica e direcionada para esta matéria?
Sim, quem me dera que houvesse essa agenda. O combate à extrema-direita é uma obrigação de todas as forças políticas democráticas, sejam elas de Esquerda ou de Direita. Este é um perigo real.
Eduardo Cabrita deveria demitir-se
Criticou a atuação de Marcelo na polémica do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), em particular a reunião com o diretor nacional da PSP. Foi para além das suas funções?
Ultrapassou claramente as suas funções. Marcelo Rebelo de Sousa comportou-se como se o ministro já tivesse sido demitido e pôs-se a discutir o futuro do SEF com o responsável de outra força policial.
E a proposta de Magina da Silva para extinguir o SEF e a PSP, criando uma polícia que os integre?
A questão para mim é como tratamos a imigração. Não é um caso de polícia. Precisamos de reforçar serviços administrativos e de receção.
E mudar o ministro?
Eduardo Cabrita está muito fragilizado para poder continuar. E fragiliza a própria posição do Governo.
Então considera que deveria ter-se demitido?
Sim, deveria. A responsabilidade deve ser assumida ao mais alto nível.
Não se deve investir na TAP para entregá-la
No caso da TAP, Marcelo diz que a solução é uma parceria com a Lufthansa. Concorda?
Estarmos a fazer este investimento todo e esta reestruturação superior a três mil milhões de euros para entregar à Lufthansa ou fazer uma parceria é um erro crasso e estou completamente em desacordo. Não ponho de parte a necessidade de um investimento massivo mas é para manter a TAP como empresa pública. Não podemos aceitar fazer todo este investimento de dinheiro público para depois a entregarmos a uma grande companhia europeia.
Está contra o plano de reestruturação?
Se a sua consequência for essa, sim.
O plano deveria ter sido aprovado no Parlamento?
Sim.
Há alternativa aos despedimentos?
Em primeira instância, deveríamos sempre tentar evitar esses despedimentos. Se for necessária alguma readaptação do número de trabalhadores, não os podemos desperdiçar.
Isso passaria por realocar trabalhadores no Estado?
Sim, para outros setores mas aproveitando o seu conhecimento.
Entretanto, houve aumentos polémicos na administração da TAP...
Isso não tem explicação. Infelizmente, vimos esta história tantas vezes. Uma coisa destas não pode aprovar-se.