Marta Fabiana, sete anos. É a mais nova das 12 vítimas mortais do acidente em França. Não via a hora de regressar à terra natal, em Saímes, freguesia de Espadanelo, Cinfães.
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Conta quem a conhecia bem que era na pequena aldeia que Marta gostava de estar. Na quinta-feira, antes de partir da Suíça com a mãe, Angelina Silva, de 28 anos, e o pai, Aires Cardoso, de 39 anos, falou ao telefone com as avós. À avó paterna, de 80 anos, perguntou, como era hábito, pelos coelhos e pelas galinhas. "À avó materna disse-lhe, contente, que amanhã [sexta-feira] já iria dormir com ela", recordava uma familiar, Etelvina Fonseca. "Não há palavras para consolar quem perde uma família inteira", diz Etelvina, ela própria incapaz de segurar as lágrimas.
A avó materna, com vários problemas de saúde, teve de ser transportada pelo INEM para o hospital, sexta-feira de manhã, assim que recebeu a notícia de que não voltaria a ver vivos a neta, a filha, Angelina (que todos tratavam por Gija), e o genro, Aires.
Ainda antes do meio-dia, o Gabinete Social da Câmara de Cinfães já havia disponibilizado uma equipa de psicólogos para ajudarem os familiares a lidar com a tripla perda. "É de lamentar o sucedido, só podemos dar todo o apoio aos familiares das vítimas", afirmou, consternado, o autarca.
Angelina tinha um irmão gémeo, que vive em Saímes. "Ele pressentiu o acidente. Por volta da meia- -noite, à hora a que ocorreu o acidente, disse que sentia que alguma coisa estava muito mal com a irmã", testemunha Etelvina.
O casal emigrou com a filha pequena em busca de uma vida melhor. Ela foi trabalhar para as limpezas, o marido para uma empresa de jardinagem. Estavam a juntar dinheiro para pagar a casa que reconstruíam na aldeia, para onde queriam regressar o quanto antes, já que é aí que vivem todos os familiares.
Esta era a primeira vez que viajavam na altura da Páscoa, época festiva com forte tradição na freguesia e onde planeavam ficar durante quinze dias.
A Portugal vinham apenas duas vezes por ano: uma no Natal e outra por altura da festa de S. Cristóvão. Angelina era muito religiosa. "Foi sempre", assegura Etelvina. "Quando vinha de férias participava no coro da igreja, ia a todas as missas, nem que fossem três por dia", recorda.
Na aldeia, os rostos dos moradores denunciam perda. Cancelaram a visita pascal, cujo dia forte é segunda-feira. "Aqui não há alegria para nada. Aquela menina era tão linda e com tanta vida", lamenta outra habitante, Laurinda Madureira.
Sernancelhe e Trancoso
Viagem para celebrar os anos da mãe
Além de passar a Páscoa, os irmãos João Santos e Amélia Diogo, que também viajava acompanhada do marido, José Manuel, tinham decidido vir a Portugal celebrar o aniversário da mãe, que este domingo completa 90 anos.
"Seria uma surpresa" disse, ao JN, Laura Paula, residente na freguesia de Palhais, Trancoso, localidade onde João Santos casou e construiu a casa de férias. Internada no lar de Sernancelhe, a idosa não esperava a família emigrada na Suíça, mas a festa estava há muito preparada, com a cumplicidade da instituição. Apurou o JN que a nonagenária deverá, por ora, ficar alheia à morte dos filhos e do genro, pelo que o aniversário será assinalado durante uma pequena cerimónia na presença de alguns familiares. Ainda que não o saiba, a mulher conseguiu sobreviver aos três filhos, dado que o mais velho também faleceu há pouco mais de um ano devido a doença.
Todos naturais da localidade de Arnas, Sernancelhe, mas emigrados há décadas na região de Lausana, João, de 61 anos, Amélia, de 58, e o marido, José Manuel, de 60 anos, vinham habitualmente à terra no Natal, no verão e na Páscoa e eram quase sempre transportados nas carrinhas do sobrinho.
Mal a notícia chegou a Trancoso, o presidente da Câmara encaminhou técnicos de apoio social e psicológico à localidade de Palhais, onde habitam tanto os pais e irmãs do empresário de transportes como os avós do motorista de 19 anos que conduzia a viatura sinistrada. "Numa hora de tanta dor, é o mínimo que podemos fazer", disse Amílcar Salvador ao JN.
Os pais daquele que foi o único sobrevivente da Mercedes Sprinter esmagada por um camião residem na localidade de Carapito, concelho de Aguiar da Beira e ainda na sexta-feira seguiram para o hospital francês, onde o filho continua internado. "Os pais estão em choque e do rapaz tenho muita pena", comentava Maria Augusta Sobral, vizinha da família.
Oliveira de Azeméis
Nove horas de angústia sem notícias do pai
No lugar de São Mamede, em Fajões, Oliveira de Azeméis, a família de Manuel da Rocha Pinho viveu nove horas de angústia, até receber a confirmação oficial da sua morte, já pelas 17 horas, através da autarquia.
Pelas 8 horas da manhã, a mulher e as duas filhas (de 12 e 19 anos) receberam um telefonema do patrão de Manuel Pinho a dar conta do acidente, supondo que o oliveirense fosse um dos ocupantes da carrinha sinistrada. Porém, e como não receberem qualquer contacto das autoridades oficiais, foram mantendo a esperança de que ocupasse uma das outras carrinhas do grupo que partiu de Lausanne, como explicou, ao JN, a filha mais velha, Diana.
"Estamos em agonia. Tentámos entrar em contacto com o consulado e o Hospital de Moulins, mas nada. Não temos nenhuma informação, mas mantenho a esperança de que estivesse noutra das carrinhas", dizia Diana, pouco antes de o pior se confirmar.
Manuel Pinho, de 47 anos, tinha emigrado para Friburgo, na Suíça, há cinco anos e era aí trabalhava como encarregado para uma empresa de materiais de construção em gesso. Na altura, estava desempregado e a oportunidade surgiu-lhe porque o patrão, um amigo português, necessitava de alguém de confiança para a função.
Já em solteiro tinha vivido na Suíça e agarrou a oportunidade, partindo sozinho e deixando a mulher e as duas filhas em casa, na terra natal. "Ele sentia a falta da família. Não era uma vida fácil, estar sozinho noutro país, mas nunca foi de desistir de nada e lutava pelos seus objetivos", refere Diana.
Era normal Manuel Pinho vir a Portugal pela Páscoa e pelo Natal e também pelas férias de verão. Regressaria à Friburgo na próxima terça-feira, desta vez de avião.
Os bombeiros de Fajões e uma equipa com psicólogos do INEM estiveram na casa da família, a prestar apoio, na sequência de um pedido do presidente da Junta de Freguesia, Jorge Paiva, que acabaria por ser o portador da confirmação oficial do falecimento.
Castelo de Paiva
Uma relação muito próxima com a filha
Luís Miguel Lopes, de 38 anos, era natural de Sandim, Vila Nova de Gaia, mas foi casar a Fornos, em Castelo de Paiva, onde vivia. Há dois anos, deixou a profissão de eletricista. "Emigrou para a Suíça e foi trabalhar para as estradas para ganhar mais dinheiro", contou o cunhado, Jorge Pereira, que ficou em sobressalto quando começou a ouvir as notícias do acidente pelos meios de Comunicação Social. "Ficámos atentos e depois ligou-nos um primo a contar o que aconteceu", lamentou.
Nos últimos dois anos, Luís Miguel Lopes regressava sempre a Castelo de Paiva para passar a Páscoa. "Ele tinha uma relação muito próxima com a filha", adiantou o mesmo familiar.
Ao final do dia, o presidente da Câmara de Castelo de Paiva, Gonçalo Rocha, deslocou-se a casa dos familiares. "Venho inteirar-me da situação para apoiar no que for preciso", disse ao JN.
Cinfães
Emigrou em busca de um salário melhor
Em Travanca, Cinfães, as conversas vão todas dar ao homem da terra, Sérgio Costa, 35 anos, emigrante na Suíça, que também perdeu a vida no acidente de viação em França. A notícia chegou à aldeia às primeiras horas da manhã. "Foram familiares meus que também estão na Suíça que ligaram a avisar", contou, ao JN, uma moradora. A meio da manhã, as notícias do acidente já corriam pelos meios de Comunicação Social, mas a confirmação oficial chegou pouco antes do meio-dia.
Sérgio Costa saiu de Portugal há cerca de dois anos. Deixou para trás um emprego numa empresa de alumínios da zona e emigrou para a Suíça, em busca de um salário melhor. A filha de três anos e meio ficou em Travanca com a mulher, com emprego no lar da Associação de Solidariedade Social de Souselo. "Ela estava à espera que ele chegasse hoje [sexta-feira] de manhã", conta a mesma habitante. "Um rapaz espetacular, que se dava bem com toda a gente", é como os moradores caracterizam a vítima.
O presidente da Câmara de Cinfães, António Mourisco, que se deslocou a casa dos familiares das vítimas do acidente residentes no concelho, disse ao JN que está a trabalhar com as autoridades francesas para tratar da trasladação dos corpos para Portugal.
Oliveira de Azeméis
Vinha tratar de assuntos da nova casa
José Luís Dias da Silva, de 55 anos, vivia em Friburgo, Suíça, com a mulher e o filho adolescente, há oito ou nove anos. Estava a restaurar uma casa antiga que comprou em Fajões, Oliveira de Azeméis e era precisamente para "tratar de assuntos da casa" que viajava para Portugal, de acordo com a cunhada, Rosa Magalhães. José da Silva trabalhava na colocação de pavimento em construções e preparava-se para executar esse trabalho na sua nova casa, que pensava habitar em poucos anos, depois de criado o filho único de 17 anos. "Há coisas que queria ser ele a fazer na própria casa". Para abril estava agendada mais uma viagem, com a mulher.
Desta vez, no entanto, a mulher e o filho não o acompanharam na viagem a Portugal. Sexta-feira, despertaram com o choque da notícia e ainda manhã cedo viajaram da Suíça para a localidade francesa de Moulins, onde se deu o acidente que matou 12 pessoas.
Arouca
Um pedreiro sem trabalho na Suíça
Adriano Jesus Sousa, de 52 anos, é natural de Vila Chã, em Vale de Cambra, mas tinha residência há vários anos no lugar do Viso, na freguesia de Escariz, em Arouca, onde casou. Em Portugal, tinha trabalhado como pedreiro. Estava emigrado na Suíça há oito anos, onde continuou a trabalhar no ramo da construção civil, mas atualmente estava desempregado, segundo referiu a filha mais velha ao JN.
A mulher e as duas filhas (uma delas ainda menor de idade) continuaram a viver em Escariz. Adriano Sousa vinha com bastante frequência a casa, segundo a filha, e ainda no mês passado tinha estado em Portugal. Ainda em choque, a família preferiu remeter-se ao silêncio. A Câmara de Arouca disponibilizou os seus técnicos de Psicologia para prestar apoio.
Pombal
Outra vítima do trágico acidente em França é Inês Rodrigues Francisca, de 17 anos, com residência em Pombal, distrito de Leiria.