Dizem que o processo de equivalência em Portugal é difícil e moroso, pelo que estão a sair para poderem exercer. Pedem alterações e mesmos benefícios previstos para os refugiados de guerra ucranianos. Para Henrique Cyrne Carvalho isso é "oportunismo puro".
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Os médicos estrangeiros que estão a tentar o reconhecimento dos cursos em Portugal querem ter o mesmo tipo de integração definida para os refugiados ucranianos - que poderão vir a exercer sob orientação de um tutor mesmo sem falarem português e antes de completarem esse processo -, acelerando a sua integração no mercado de trabalho. Queixam-se que o reconhecimento é moroso e complexo e vários já partiram para outros países. O presidente do Conselho de Escolas Médicas Portuguesas (CEMP), Henrique Cyrne Carvalho, considera que estes pedidos são "oportunismo puro" e não prevê mudar as regras. Em Portugal, estão inscritos 5762 clínicos estrangeiros na Ordem dos Médicos, a maioria de Espanha e do Brasil.
Christian Correia, de 37 anos, luso-venezuelano que chegou a Portugal em 2019, ainda aguarda para "fazer o exame de conhecimento específico escrito". Entretanto, foi para Itália, onde se encontra a exercer inserido numa equipa de outros profissionais de saúde, apesar de não falar italiano, graças a um decreto do Governo daquele país. Também em Espanha, garante, o seu diploma "já foi homologado".
"Portugal não ajuda, é um processo demorado e não vou aguardar toda a vida", desabafa, explicando que a sua família permanece em Braga. "Também deviam ajudar quem foge de situações políticas difíceis, como acontece na Venezuela. São cidadãos portugueses ou lusodescendentes e não há um mecanismo de inserção na comunidade" como o dos clínicos ucranianos, lamenta Christian Correia.
Hélder Pereira, 35 anos, luso-venezuelano que, em 2018, rumou a Portugal, partiu há dois meses para Itália para abraçar a profissão. Pede que quem trata do reconhecimento no nosso país "tenha em consideração os profissionais lusodescendentes" e assegura que, em Itália, "não deram tantas complicações".
Em situação dramática
A associação Venexos, que representa a comunidade venezuelana em Portugal, critica, pela voz do vice-presidente, Francisco Silva, a falta de abertura para abranger outros estrangeiros, considerando que há "dois pesos e duas medidas".
Há dezenas de médicos da Venezuela a aguardar o reconhecimento do curso e de especialidades, assegura. Vários encontram-se "a trabalhar em Espanha e na Itália, porque foram reconhecidos lá". Quem ficou no nosso país está a trabalhar em "profissões não qualificadas". É o caso de uma médica cubana, ouvida pelo JN, que também pede para "beneficiar" de um procedimento semelhante ao dos ucranianos.
A Ordem dos Médicos já se mostrou disponível para adiar a prova de comunicação em português aos médicos ucranianos com estatuto de refugiados, facilitando a sua integração em equipas de trabalho sob orientação de um tutor e sem autonomia, uma proposta apresentada ao Governo. "Temos que garantir a qualidade dos procedimentos, mas ter alguma flexibilidade", disse o bastonário Miguel Guimarães, lembrando que são pessoas numa situação "dramática". A ordem já recebeu dois contactos de médicas ucranianas.
"Não estou a ver médicos de outros países, nomeadamente da América do Sul, a terem problemas na questão da comunicação", acrescentou Miguel Guimarães, a propósito dos pedidos de outros estrangeiros para beneficiarem de um sistema semelhante, sublinhando que os venezuelanos, geralmente, passam na prova da Ordem. "O problema é chegarem lá, terem o curso reconhecido pelas universidades", sublinhou ao JN.
O presidente do CEMP, Henrique Cyrne Carvalho, entende que o modelo visa dar um "enquadramento" aos ucranianos até que o curso seja reconhecido. Não prevê alterações para outros estrangeiros e adianta que as escolas não possuem condições para realizar mais do que uma prova por ano.
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5762 médicos estrangeiros estão inscritos na Ordem dos Médicos. A maioria é oriunda de Espanha (2608) e do Brasil (1078), revelou aquele organismo ao JN. No ano passado, foram realizadas 62 provas de comunicação médica, sendo que 51 conseguiram aprovação.
42% dos pedidos de admissão de estrangeiros para o exercício de medicina foram aprovados, correspondendo a 706 pessoas, até 14 de dezembro do ano passado. Destas, a maioria é proveniente da Europa e do Brasil. Nos últimos três anos, foram apresentados 1674 pedidos.
Espanhóis e brasileiros lideram
Os médicos estrangeiros com taxa de aprovação mais elevada são os espanhóis (84%). Seguem-se os ucranianos (78%), alemães (70%) e italianos (66%). Os brasileiros têm uma taxa de aprovação menor (42%), mas sobressaem por serem a maioria dos que se candidatam (74% dos pedidos).
Latinos e africanos com mais dificuldades
Os candidatos da América latina e de África parecem ter mais dificuldades em concluir o reconhecimento. Nos últimos três anos, todos os candidatos oriundos de Cuba, Guiné-Bissau e Venezuela foram recusados. E apenas um dos 29 pedidos feitos por cidadãos angolanos foi aprovado.
86% aprovados na especialidade
Em 2021, foram admitidos 55% dos pedidos de exame de especialidade. Dos médicos estrangeiros aceites a exame de especialidade, 86% foram aprovados.
1,17 milhões sem médico
Em fevereiro, havia 1,17 milhões de utentes sem médico de família, dos quais 860 mil em Lisboa e Vale do Tejo. O número tem vindo a subir, porque as aposentações e saídas dos especialistas são superiores às contratações.