O recurso do Governo à Lei de Bases da Proteção Civil (LBPC), para impor restrições, pode colidir com a Lei Fundamental, defende o constitucionalista José Fontes, para quem a melhor opção seria Belém declarar o estado de emergência, dada a "intensidade" das medidas. Segundo o catedrático, tais dúvidas podem resultar num "aumento da litigância e desobediência civil".
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Estas medidas exigiriam uma moldura constitucional, como a declaração do estado de emergência?
Há muito que deveríamos ter tido uma revisão constitucional à dita "Constituição Portuguesa de Segurança". Aquando desse debate, que um dia ocorrerá, dever-se-á equacionar a introdução de um outro estado de exceção similar aos previstos na LBPC, dando-lhes previsão constitucional. As medidas agora aplicadas fundam-se grandemente no tal regime jurídico da proteção civil e algumas podem levantar dúvidas sobre a sua constitucionalidade, sobretudo pela forte intensidade. São quase confinamentos ou recolheres obrigatórios, ou muito próximo disso. Essas dúvidas seriam evitadas se a Constituição previsse estados de exceção menos gravosos. Ou se o Governo, em alternativa, entendesse solicitar ao presidente da República a declaração do estado de emergência que, a meu ver, teria certas vantagens: a força da mensagem, intervenção conciliada de órgãos de soberania, fiscalização pelo Parlamento e o funcionamento em permanência da Procuradoria-Geral da República e Provedora de Justiça.
O recurso à LBPC pelo Governo é suficiente para endurecer as restrições?
Tem sido. Mas tenho dúvidas sobre se todas as medidas têm cobertura constitucional. Temos de discutir - e não é apenas de forma meramente académica - se há normas da LBPC desconformes com a Constituição e se elas permitem interpretações, aplicações e definição de políticas públicas, decisões políticas e administrativas contrárias à Lei Fundamental.
Corre-se o risco de um aumento da litigância contra o Estado?
A situação pandémica não desonera os órgãos de poder público de atuarem em conformidade com a Constituição. O nosso Estado de Direito democrático tem mecanismos, designadamente de recurso aos tribunais, para bloquear decisões das autoridades. O Governo tem de explicar muito bem a necessidade, a proporcionalidade e o sentido das medidas. Caso contrário, corremos o risco de aumento da litigância, de relaxamento e de desobediência civil.
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