Uma menina algarvia de oito anos é a primeira pessoa, operada em Portugal, a ter uma prótese expansível que cresce com ela, sem ter de sujeitar-se a várias intervenções cirúrgicas.
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A intervenção inovadora, realizada esta semana no Centro Materno-Infantil do Norte, não só salvou a perna da criança, como lhe permite ter um desenvolvimento próximo do normal.
O terrível diagnóstico foi conhecido em maio. A pequena N., da freguesia de Almancil (Loulé), tem um sarcoma de Ewing, um tumor maligno no fémur da perna esquerda. A menina rumou à capital, onde fez quimioterapia pré-operatória no Instituto Português de Oncologia (IPO) de Lisboa.
O ortopedista Pedro Cardoso, que lidera uma equipa especialista no estudo e no tratamento de tumores ósseos no Centro Hospitalar e Universitário do Porto, começou em agosto a pensar na intervenção adequada para a preservação da perna, com o menor impacto possível na vida da criança. Entendeu-se, então, que o caso clínico de N. adequava-se à colocação da prótese expansível de 3.ª geração, desenvolvida na Alemanha pela Implancast. Uma intervenção nunca realizada no país.
Desde 2016 que o IPO e o centro hospitalar colaboram no tratamento ortopédico de doentes com sarcoma dos ossos e dos tecidos moles. Inicialmente, tratavam adultos, tendo sido alargado às crianças.
"O IPO não tem ortopedia e o Centro Hospitalar e Universitário do Porto é um centro de referência no tratamento de sarcomas de ossos e de tecidos moles.
Os pacientes fazem quimioterapia no IPO de Lisboa e vêm ao Porto realizar o tratamento ortopédico", explica Pedro Cardoso. Há 30 anos, o diagnóstico de sarcoma ósseo equivalia a amputação. As próteses mudaram a vida dos doentes. Sendo possível a colocação de uma prótese, faz-se a preservação dos membros. Nas crianças, o crescimento do membro operado é uma preocupação. A expansão da prótese, feita manualmente, para acompanhar o crescimento obriga a múltiplas operações, com enorme risco de infeção. É o maior perigo, sobretudo em paciente imunodeprimidos pela batalha contra o cancro.
Cresce 1 milímetro/dia
As próteses de 3.ª geração acabam com as visitas constantes ao bloco. Possuem um motor e os aumentos são realizados através de impulsos magnéticos. N. já tem a prótese a substituir-lhe parte do fémur, junto à anca. Debaixo da pele, foi instalado um recetor de impulsos magnéticos. Com um comando externo já programado, é dada a ordem para o alongamento da prótese. "Serão os pais a usar o comando para expandir a prótese. Colocam o comando na perna, no local onde está o recetor, e dão a ordem de alongamento três vezes ao dia. A prótese cresce um milímetro por dia", indica Pedro Cardoso.
O aumento não poderá ser maior para não causar lesões. O alongamento mecânico compensa a perda da cartilagem de crescimento junto à anca. Sem esse impulso, a perna não cresceria. A cirurgia para a colocação da prótese, concebida à medida para a menina (foram necessárias cerca de seis semanas para fabricá-la), demorou quase cinco horas.
"A perna vai crescer. Não ficará como a outra, mas ficará muito próxima. Com fisioterapia, a menina poderá andar normalmente e até fazer alguma prática desportiva com limites", admite o ortopedista, que antevê os primeiros passos de N., com canadianas, dentro de dias. A recuperação completa será alcançada em dois a três meses e boa parte será feita em casa. v
"Quando esta menina tiver alta hospitalar, dentro de 10 a 15 dias, sai com canadianas e alguma autonomia. A recuperação completa será em dois ou três meses"