Diretor do Programa Nacional aponta o dedo à burocracia e diz que é preciso simplificar os processos. Desde 2015, quase 29 mil doentes iniciaram terapia, mais de 18 mil estão curados.
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O acesso gratuito aos tratamentos da hepatite B e C, com recurso a antivirais de ação direta, a partir de 2015, permitiu curar mais de 95% dos doentes, refere o Relatório 2022 do Programa Nacional para as Hepatites Virais que vai ser apresentado esta tarde, no Dia Mundial das Hepatites. Cerca de 40 mil portugueses sofrem de hepatite, uma inflamação do fígado para a qual já há tratamento e cura.
Rui Tato Marinho, médico, diretor do Programa Nacional e autor do relatório agora elaborado, refere que "Portugal tem uma infraestrutura de saúde robusta, baseada no Serviço Nacional de Saúde, facilitando a implementação de boas práticas com impacto positivo na saúde pública". Contudo, defende uma simplificação do processo burocrático que permite medicar os doentes com hepatite C.
"O tratamento não é igual em todos os hospitais por causa da burocracia. Há hospitais onde demora 15 dias a libertar a medicação para um doente e há outros onde demora um mês", disse ao JN. E continua: "É preciso simplificar os processos e medicar os doentes porque há pessoas que aceitam ir uma vez ao hospital, mas já lá não vão a segunda vez. E temos de aproveitar a colaboração dos doentes".
mais transplantes
De acordo com o relatório, entre 2015 e 2021, mais de 30 mil doentes com hepatite C tiveram autorização para iniciar tratamento e 28 844 iniciaram. Dos que já o concluíram, 18 074 estão curados, uma taxa de 96,7%. O número de transplantes de fígado voltou a subir para 211, em 2021. Em 2020, talvez por causa da pandemia, o número desceu para 193. Em 2019, tinha sido de 240.
O número de novos casos de hepatite C em contexto de diálise, nas prisões e entre os utilizadores de drogas injetáveis diminuiu nos últimos cinco anos, como resultado de políticas de prevenção, diagnóstico e tratamento precoce. O documento destaca também a redução dos internamentos por cirrose associada a hepatite C e do número de casos de hepatite B e C entre os dadores de órgãos e de sangue. Em 2021, por exemplo, foram notificados 6 casos de hepatite B em dadores de sangue, face a 55 casos em 2012. A taxa de cura da hepatite C mantém-se acima de 95%, superando 99% na população em reclusão.
De salientar a tendência crescente da testagem nas hepatites B e C, não só nas unidades de saúde, mas também na comunidade. O aumento anual de 33% na testagem é uma das metas do programa até 2024, tal como a redução de 50% da mortalidade por cancro ou cirrose ou o tratamento de mais de 90% das pessoas elegíveis com estes tipos de hepatite. "É preciso fazer testes. Ninguém pode ter receio de testar a doença porque, em Portugal, toda a gente é tratada gratuitamente independentemente de ser toxicodependente, alcoólico ou morador de rua", finalizou Tato Marinho.
Depoimento
"É uma doença silenciosa que não se sente"
Foi por se sentir muito cansado que Gabriel Gomes, hoje com 55 anos, decidiu fazer análises. "Havia indicadores de que tinha hepatite e fui logo encaminhado para o Hospital de Santa Maria, em Lisboa, para fazer tratamento", recorda o músico que, na altura em que foi diagnosticada a doença, há cerca de 10 anos, fazia parte do grupo Madredeus. Gabriel tinha 44 anos, trabalhava muito, fazia muitos espetáculos e associou a fadiga ao facto de descansar pouco. "A hepatite é uma doença silenciosa, que não se sente e por isso é que é preciso fazer testes ou análises para saber se há alterações hepáticas", refere. No Hospital de Santa Maria, em Lisboa, o músico fez parte de um estudo clínico e - poucos meses depois - foi dado como curado. Atualmente, apesar do fígado já se ter "regenerado", continua a fazer análises com frequência e a ter uma vida regrada. "A hepatite tem tratamento e tem cura, mas não se pode ter medo de enfrentar os problemas", finalizou Gabriel Gomes.
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Menos hepatite B
Considerada, juntamente com a hepatite C, uma das formas mais graves da doença, em 2020 registaram-se 129 casos, muito abaixo dos 220 verificados em 2019. 60% dos doentes são homens, com idades superiores a 30 anos. Em 60% dos casos, não é conhecida a via de infeção.
Hepatite C no Mundo
Apesar de ser curável, há 325 milhões de pessoas em todo o Mundo que sofrem da doença, causando 1,4 milhões de mortes/ano. OMS assumiu como objetivo erradicar a hepatite B e C até 2030.