A funcionalidade e o luxo não estão no tamanho, diz quem já projeta soluções de habitação de reduzida dimensão nas cidades. Já há exemplos de norte a sul de Portugal, mas é preciso mudar mentalidades, flexibilizar legislação e controlar especulação de preços nos centros urbanos, para que tendência floresça.
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A Organização das Nações Unidas prevê que, em 2050, 68% da população resida em zonas urbanas, tornando o espaço cada vez mais precioso e obrigando aqueles que projetam a habitação a puxar pela criatividade para encontrar espaços que permitam viver com qualidade, sem ocupar muitos metros quadrados.
Foi o que fez a Consexto quando, há uma década, concebeu em Matosinhos a Closet House, um espaço de 44 metros quadrados que, entretanto, ganhou o prémio de "Edifício do Ano" atribuído pelo site ArchDaily. Henrique Pinto, CEO da empresa e especialista em tecnologia, diz que a recetividade do público foi "muito boa" e até ele morou lá vários meses, para testar o conceito. "Fui muito feliz" conta.
Para que não se tornasse "claustrofóbica", apostou-se na tecnologia. "Televisões a sair do chão, uma parede que mexe ajudando a criar uma sala maior ou um quarto com dimensão convencional, uma mesa que sai", são apenas alguns exemplos.
A Consexto seguiu outras direções, mas Henrique Pinto não duvida que o futuro passará por uma maior rentabilização dos espaços nos centros urbanos, onda há muitos apartamentos pequenos e o preço por metro quadrado é elevado, pelo que a "otimização é importante".
Aproveitar dimensões reduzidas
Também em Lisboa, onde a reabilitação do prédio mais estreito levou à criação dos Saudade Micro Lofts, direcionados para o mercado turístico, a ideia foi "aproveitar ao máximo cada centímetro", conta a designer Inês da Silva. "O mais pequeno tem 1,09 de largura", o que obriga a que a maior parte do espaço seja aberto (exceção feita à casa de banho) e tudo tenha sido feito à medida para "garantir mais arrumação". Há quem se aloje ali por causa disso e há quem fique surpreendido, mas se adapte", assegura.
Os prédios antigos que existem no centro de Lisboa são pequenos e, se queremos fazer reabilitação, temos de aproveitar as dimensões reduzidas", acrescenta Inês da Silva, que acredita que as micro casas vão ser "uma moda e uma necessidade" nas cidades.
A arquiteta Ana Rocha, a residir nos Países Baixos, tem-se debruçado sobre a questão da "sustentabilidade em termos de ocupação do território". Foi na cidade de Almere, a poucos quilómetros de Amesterdão, que instalou a sua Slim Fit House, vencedora do concurso "BuildingExpo Tiny Housing" de 2016. Está lado a lado com outras soluções de micro casas, num projeto piloto desta cidade-laboratório que estuda soluções inovadoras de habitação nas zonas urbanas.
á muito a ideia de que é preciso uma casa grande e uma pequena é associada à pobreza, mas na realidade pode ser um objeto de luxo
Foi projetada num tempo em que o mundo ainda estava assolado pela crise do crédito e os espaços nos centros urbanos já encareciam. A opção pela reabilitação ganhava terreno, tal como a preocupação com o consumo e mobilidade responsáveis e tendências como o minimalismo e o armário-cápsula granjeavam adeptos.
"Há muito a ideia de que é preciso uma casa grande e uma pequena é associada à pobreza, mas na realidade pode ser um objeto de luxo", considera Ana Rocha. A Slim Fit, que assume a forma de paralelepípedo, tem uma área de implantação de apenas 16 metros quadrados e as funções dividem-se em três pisos. "Ocupa o espaço de dois lugares de estacionamento" e "é extremamente sustentável, com elementos de luxo" como uma fachada em vidro que protege dos raios ultravioletas e pisos aquecidos. Nas cidades, há muitos espaços que podiam ser aproveitados por este tipo de projetos, como "lojas e escritórios desocupadas, fábricas que perderam a função e pequenos terrenos sem uso", enumera a arquiteta.
Porém, para este tipo de conceito avançar, refere, é preciso "mudar mentalidades, substituindo a ideia de que viver em luxo tem a ver com mais metros quadrados; ter uma legislação flexível que permita este tipo de habitação permanente nas cidades e o aproveitamento dos espaços sem uso e controlar a especulação, que torna os preços de terrenos e habitação nos centros urbanos excessivos para morar".
O conceito da Slim Fit é "muito diferente das Tiny Houses, porque não pretende ser uma casa móvel para ir para o meio da natureza, mas sim viver na cidade com conforto e qualidade". Em Portugal, o conceito das Tiny Houses tem "vindo a crescer" nos últimos anos, mas a maioria destina-se a "habitação para férias, em zonas mais rurais", confirma Sammy van den Berghe, da Tiny House Portugal.
Porto tem enorme potencial
Quando vai ao centro do Porto, Ana Rocha vê "milhões de sítios onde a Slim Fit podia ser construída, talvez não em madeira, mas coberta de azulejos, com telhado inclinados", descreve. Também no centro de Lisboa, "que tem fachadas estreitas e altas, há lotes que se adaptam a várias destas casas".
Na Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa foi a inquietação com o "crescimento da população" e a necessidade de "economia de meios" que levaram à criação do projeto "Casas para um planeta pequeno", explica a professora Margarida Louro, que vai orientando alunos para desenvolverem diferentes soluções que respondam às necessidades de habitação.
Os mais variados contextos são explorados pelos alunos que, com criatividade, procuram aproveitar empenas de edifícios, planos de água, telhados de equipamentos de comércio e serviços e espaços industriais devolutos, entre muitos outros, que podem ser acompanhados em http://casasparaumplanetapequeno.fa.ulisboa.pt/
"A arquitetura não impõe, responde às necessidades", sublinha, explicando que a tendência é que o futuro seja mais "acessível, flexível, adaptável e sustentável" a vários níveis. E a forma como "uma casa pode responder às necessidades atuais, não tem que estar ligada à sua dimensão", assegura.