Falta de cobertura e de adesão é mais notória no Norte e Centro. Recurso a alternativas sem controlo acarreta riscos para a saúde e para o ambiente.
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Há 861 mil casas em Portugal que não estão ligadas à rede pública de água e mais de 1,3 milhões sem saneamento, ou porque não têm cobertura ou porque não fazem a ligação à rede, sobretudo no Norte e no Centro do país. Os dados são da Associação Portuguesa de Distribuição e Drenagem de Águas (APDA). Especialistas ouvidos pelo JN alertam para o risco de doenças.
De acordo com o relatório "Água e saneamento em Portugal - o mercado e os preços 2022", da APDA, que analisa dados de 2020, nessa altura havia cerca de 244 mil alojamentos em Portugal continental com serviço não disponível de água (sem cobertura) e 617 mil alojamentos com serviço não efetivo, ou seja, que não aderiram apesar de terem cobertura. A situação é mais grave a Norte, onde há quase 126 mil alojamentos sem cobertura (38 mil dos quais na Área Metropolitana do Porto) e 246 mil que não aderiram. Segue-se o Centro, com 48 mil sem cobertura e 221 mil sem adesão.
A APDA realça que a taxa de ligação tem vindo a aumentar, passando de 86,5% para 88,5%, mas "ainda existem 11,5% de alojamentos com serviço, que não estão ligados à rede". O défice de cobertura "quase não se alterou" de 2018 para 2020: passou de 4,5% para 4,4%.
Poços, furtos e fontanários
Quanto ao saneamento de águas residuais, havia quase 834 mil alojamentos sem cobertura e mais de 505 mil sem serviço efetivo. De novo, a situação é mais grave no Norte (344 mil sem cobertura e 200 mil que não aderiram) e Centro (309 mil sem cobertura e 172 mil que não aderiram). O défice de cobertura era de 14,9% em 2020, uma melhoria de dois pontos percentuais face a 2016. Já o défice de adesão, que em 2016 era de 11,3%, passou para 10,6% em 2020.
Gustavo Tato Borges, presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública, diz que há pessoas que não aderem ao serviço e outras que têm "a água ligada a uma única torneira que não é usada", porque "desconhecem a cadeia de controlo e tratamento da água da rede pública" e pela "crença de que a água que os avós bebiam é que era boa". Continuam, por isso, a recorrer a poços, furos e fontanários, mesmo que a qualidade dessas águas não seja analisada.
"Usar águas de locais não controlados significa que estamos a consumir um produto não vigiado, cuja qualidade e segurança não conhecemos", sublinha Gustavo Tato Borges, explicando que esse consumo "pode levar ao aparecimento de doenças, que normalmente estão associadas a situações gastrointestinais, e que afetam acima de tudo os mais vulneráveis, como idosos e crianças".
Sara Correia, da associação ambientalista Zero, alerta que as fossas séticas, usadas quando as pessoas não têm ou não aderem ao saneamento, "têm de ser despejadas com alguma frequência para não ficarem a drenar para o solo ou cursos de água", mas "não há grande controlo sobre a gestão que é feita dessas fossas". Isto é "preocupante", já que "muito provavelmente [os efluentes] vão acabar por chegar às nossas linhas de água", contaminando-as.
Segundo Sara Correia, que analisou dados da Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos de 2021, é preciso assegurar que as águas residuais são efetivamente tratadas onde há rede, já que há "cerca de 31 mil alojamentos a nível nacional em que existe acessibilidade física ao tratamento, ou seja, está disponível a rede de drenagem, mas depois não há ligação ao sistema de tratamento". "Estamos a viver uma situação de seca e temos cada vez menos água disponível, não podemos continuar a permitir que seja contaminada", insiste a ambientalista, aventando a possibilidade de "penalizações" para quem, tendo cobertura, não adere.
Saber mais
20 metros
Se existir rede pública de abastecimento de água ou de saneamento de águas residuais disponível a menos de 20 metros do limite da propriedade, a ligação é obrigatória.
Pagar extensões
As pessoas podem optar por pagar a extensão do ramal, evitando os custos de executar e manter um furo, e de controlar a qualidade da água para consumo humano.
Limpar fossas
Enquanto não existir rede a menos de 20 metros, a entidade gestora tem de assegurar o serviço de saneamento por meios móveis, através da limpeza da fossa sética.