SPMS vai gastar 100 mil euros para compensar quem não pode aderir à ADSE. Contratação levanta dúvidas e Ministério vai avaliar.
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Os Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS) abriram um concurso público para adquirir seguros de saúde para os seus trabalhadores com contrato individual de trabalho (CIT). Uma despesa de 100 mil euros numa contratação que se repete anualmente desde 2018.
A aquisição de seguros para estes funcionários está prevista na lei, mas colide com a mensagem política do atual Governo que aprovou uma Lei de Bases da Saúde a reforçar o papel do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Questionado pelo JN, o Ministério da Saúde mandou reavaliar com "urgência" o procedimento.
"É no mínimo irregular", diz Alexandre Lourenço, presidente da Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares, surpreendido com a contratação e também com a legislação que lhe dá cobertura. "Este artigo é contrário aos apregoados esforços de reforço do SNS."
"É incoerente com a Lei de Bases da Saúde. É o Estado a reconhecer que os cuidados prestados no SNS não são suficientes e, se assim é, até podemos estar a violar o princípio da igualdade e temos de voltar a discutir a abertura da ADSE aos privados", enfatiza Filomena Girão, advogada da sociedade FAF Advogados, com experiência em direito da saúde.
Ao JN, a SPMS, empresa com estatuto de entidade pública empresarial (EPE) que trata das compras para o SNS e da modernização digital do setor, explicou que "desde 2018 contrata serviços de proteção social complementar para os trabalhadores em regime de CIT, através de um seguro de doença". E adiantou que "o caderno de encargos deste seguro de saúde prevê a cobertura de internamento hospitalar e a assistência em regime de ambulatório".
Reduzir desigualdades
A abertura do concurso, publicado em "Diário da República" a 7 de maio, foi decidida em janeiro pela anterior administração. Contactado pelo JN, o ex-presidente da Administração dos SPMS Henrique Martins justificou a opção com as desigualdades criadas dentro da empresa pelos diferentes tipos de vínculos: os trabalhadores com contrato de trabalho em funções públicas (CTFP) têm direito a ser beneficiários da ADSE, enquanto os que têm CIT não.
"Antigamente, não era possível, mas depois mudou a lei e passámos a fazer estes contratos", disse Henrique Martins.
Uma justificação que Alexandre Lourenço, que também já exerceu funções na Administração Central do Sistema de Saúde, não aceita. Não é às empresas públicas que cabe reduzir essas desigualdades, nota, considerando ainda que "não é a desviar fundos do erário público para seguros privados que se garante a universalização e a sustentabilidade do SNS".
Ao JN, a tutela respondeu: "Tendo o Ministério tomado agora conhecimento do procedimento de contratação para o seguro em causa, decidido pelo anterior Conselho de Administração da SPMS, uma vez que ainda não houve decisão de adjudicação, solicitámos com urgência uma reavaliação desta decisão".
Para os sindicatos, a integração dos CIT na ADSE poria fim a estas contratações e permitiria ao Estado poupar milhares de euros, já que são os beneficiários que pagam integralmente a ADSE. O atual Governo prometeu alargar o direito a ser beneficiário da ADSE aos trabalhadores em CIT, o que está por concretizar. O Ministério da Modernização do Estado e Administração Pública, que tutela a ADSE, disse ao JN que "o assunto está a ser analisado e trabalhado, e espera-se que possa haver avanços até ao fim do ano 2020".
José Abraão, dirigente da Federação de Sindicatos da Administração Pública (Fesap), nota que "a proposta para integrar os CIT é de maio de 2019". Ou seja, continua, "se o Governo não se tivesse atrasado tanto, talvez já não houvesse necessidade deste concurso".
Sebastião Santana, coordenador da Frente Comum de Sindicatos da Administração Pública, defende o vínculo de CTFP para todos os trabalhadores. Assim, resolver-se-iam as desigualdades no acesso à ADSE e dos acidentes em serviço. Enquanto tal não acontece, os CIT devem ser integrados no subsistema.
O QUE DIZ A LEI
Orçamento prevê proteção social complementar
A lei que aprova o Orçamento do Estado de 2020 prevê a proteção social complementar aos trabalhadores com contrato individual de trabalho. Segundo o artigo 49.º, as "entidades públicas a cujos trabalhadores se aplique o regime do contrato individual de trabalho podem contratar seguros de doença e de acidentes pessoais, desde que destinados à generalidade dos trabalhadores, bem como outros seguros obrigatórios por lei ou previstos em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho".