Fernanda Barros tinha 51 anos e era professora de Educação Visual e Tecnológica. Tinha problemas hepáticos, cardíacos, diabetes e sofria de obesidade mórbida. Ao longo dos últimos anos, teve três enfartes e fez três cateterismos - tinha 66% de incapacidade, de acordo com o atestado multiusos. Este ano, ao contrário dos últimos três, não conseguiu vaga em Chaves ao abrigo da mobilidade por doença. E teve de regressar ao agrupamento de Castelo de Paiva, onde era efetiva. Faleceu esta terça-feira.
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"Fizeram-lhe uma injustiça. Ela precisava de ficar aqui [Chaves], onde vivia, tinha os seus médicos e fazia os seus tratamentos. Foi uma injustiça que agora já não tem correção", reage ao JN a irmã. Ana Barros deixou o emprego em Chaves para acompanhar a irmã para Castelo de Paiva, uma vez que não conseguia conduzir. "Levava-a à escola e ia buscá-la. A diretora permitiu que entrasse com o carro até ao sítio mais perto onde ela ficava. Uma funcionária andava com uma cadeira atrás da minha irmã para ela se sentar a meio dos corredores quando ela já estava demasiado cansada", conta. Só se tinham uma à outra e cuidavam uma da outra, explica.
A docente, garante, ficou "revoltada" com a mudança das regras, este ano, na mobilidade por doença. "Chorou muito mas não quis pôr baixa. Dizia que tinha de continuar a caminhar e foi dar aulas até não aguentar mais. Se tinham dúvidas sobre a gravidade do estado dela, bastava confirmar no Serviço Nacional de Saúde. Está lá tudo: consultas, exames, relatórios", afirmou a irmã Ana Barros.
Fernanda sentiu-se mal durante o fim de semana, deu entrada no hospital de Chaves, na segunda-feira, acabando por falecer esta terça-feira à noite, por problemas cardíacos, revelou a irmã.
Questionado pelo JN sobre este caso, o segundo em menos de um mês, "o Ministério da Educação lamenta profundamente a morte da Professora Fernanda Barros e endereça à família e aos amigos da docente as suas mais sentidas condolências", enviou por escrito ao JN o gabinete do ministro João Costa.
Concurso "cego"
A vaga de acolhimento criada pelo agrupamento António Granjo, em Chaves, onde Fernanda Barros esteve nos últimos três anos, no grupo de Educação Visual, foi ocupada por outra docente com um grau de incapacidade maior, explica ao JN Pedro Barreiros, presidente do Sindicato de Professores da Zona Norte (afeto à FNE) de que a docente era sócia.
"Obviamente que a causa da morte não foi a perda da mobilidade mas a mudança das regras não ajudou, pelo menos ao nível da estabilidade emocional. O maior problema é que temos muitas dezenas de professores em situações desesperadas", lamenta o dirigente.
"Sabemos que o mecanismo de mobilidade tinha falhas. Todos ouviam falar em abusos. O que revolta mais é não se perceber porque, havendo suspeitas não se agiu sobre elas, e se optou antes por penalizar quem mais precisava", defende, indignada, Joana Leite. Para a presidente da Associação Portuguesa de Professores em Mobilidade por Doença, o ministério reduziu para metade os professores com destacamento numa tentativa de responder à falta de docentes. No entanto, garante, "muitos dos que perderam o requerimento ou entraram de baixa ou vão aposentar-se antecipadamente".
"A Fernanda fez como muitos, muitos professores que evitam ao máximo a baixa para não prejudicarem os alunos. Levou o esforço ao extremo", diz Joana Leite. A docente critica as novas regras por serem "cegas". Por exemplo, aponta, quando os professores concorreram "não sabiam quantas vagas cada escola tinha, nem em que grupos de recrutamento".
Recorde-se que no início de outubro foi divulgada a morte da professora Josefa Marques, natural de Almeida. Era doente oncológica e também perdeu o destacamento de mobilidade por doença este ano tendo ficado colocada em Oleiros a 207 quilómetros de casa.