Supremo Tribunal conclui que seguradora de fábrica deve indemnizar viúva de homem que foi ao hospital por causa de uma dor nas costas e acabou por morrer de septicemia.
Corpo do artigo
Um operador de máquinas de uma fábrica da Covilhã recebeu assistência hospitalar a uma lombalgia, na sequência de um acidente de trabalho. Mas viria a morrer, dez dias e quatro passagens pelo hospital depois, de uma septicemia causada por uma bactéria que apanhou num serviço de urgência. O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) considerou que houve, mesmo que indireto, um "nexo de causalidade" entre o acidente de trabalho e a "morte por falência orgânica" do homem, de 57 anos, e condenou a seguradora da fábrica a indemnizar a viúva da vítima.
O acidente ocorreu, faz este domingo precisamente cinco anos, quando o funcionário, na fábrica de tecelagem de fio e no cumprimento do horário de trabalho, bateu com as costas num rolo de fazenda. A lesão obrigou-o, nessa noite, a deslocar-se ao hospital - que o STJ não identifica no seu acórdão -, onde lhe foi diagnosticada uma "lombalgia aguda".
Horas depois, o operário teve alta, mas nunca mais recuperou. Aliás, as constantes dores levá-lo-iam a voltar ao mesmo serviço de urgência quatro vezes, nos nove dias seguintes. Pelo meio, também foi observado pelo médico da empresa, mas ninguém acertou no diagnóstico e ministrou o tratamento adequado.
O operário, que foi sempre medicado com simples analgésicos, acabaria por morrer a 19 de janeiro de 2017, depois de ter desmaiado nas imediações da farmácia, à qual se dirigira para aviar mais uma receita.
A viúva da vítima recorreu então ao tribunal, para que fosse reconhecido que "o acidente ocorrido no dia 9 de janeiro de 2017, e que vitimou o operário, é de trabalho" e que, como tal, teria de ser indemnizada.
Recentemente, o STJ deu-lhe razão. "Não fora o acidente de trabalho e o sinistrado não tinha tido a necessidade de se deslocar sucessivas vezes ao hospital, num curto período de tempo, contraindo aí sépsis, que lhe veio a determinar a morte por falência orgânica", lê-se no acórdão consultado pelo JN.
Os juízes conselheiros condenaram assim a Generali - Companhia de Seguros, SA a pagar 88 euros por despesas com medicamentos e transportes, 289 euros a título de indemnização por incapacidade temporária absoluta e 5561 euros por subsídio de morte. A viúva será ainda reembolsada em 2195 euros, por despesas do funeral, e receberá uma pensão anual de 3681 euros até à idade da reforma. Quando se aposentar, passará a auferir uma pensão anual de 4908 euros.
Seguradora contesta condenação
A sentença de primeira instância concluiu que "não se verificou nexo causal entre a lesão causada pelo acidente de trabalho e a morte do sinistrado". Mas esta decisão foi revertida pela Relação de Coimbra, que concluiu pela "responsabilidade infortunística" da seguradora. O processo seguiu para o STJ, porque, para a Generali, a bactéria que causou o choque sético pode ter sido contraída por uma "ferida no pé esquerdo" sem "relação com o acidente de trabalho".
Cronologia dos acontecimentos: Dez dias de dor e desespero
9 setembro de 2017 - Operário sofreu acidente e foi ao hospital. Teve alta após ter sido diagnosticado com uma "lombalgia aguda pós-traumática".
10 setembro de 2017 - Às 00.46 horas, regressou ao hospital, porque "sentia muita dor". Teve alta às 08.09 horas, com "indicação de repouso e medicado com ben-u-ron, nolotil e unisedil".
12 setembro de 2017 - Foi visto pelo médico da empresa e perguntou se deveria ir ao médico de família. Foi-lhe dito que não, "uma vez que estava acompanhado por bons médicos, devendo continuar com a medicação".
13 setembro de 2017 - Por volta das 8.30 horas, foi ao hospital. Esteve a soro e recebeu uma injeção para as dores. Dada alta, com indicação para acrescentar Arcoxia 90 à medicação.
17 setembro de 2017 - O corpo do trabalhador começou a inchar e deixou de conseguir urinar. Foi levado ao hospital pelo INEM, mas teve alta nesse mesmo dia.
18 setembro de 2017 - Quando se dirigia a uma farmácia, o trabalhador desmaiou e foi levado ao hospital. Ficou internado e morreu na manhã do dia seguinte.
Casos
Fisioterapia fatal
Um acórdão de outubro de 2014 considerou acidente de trabalho uma morte provocada por um coágulo sanguíneo. A fisioterapia para a recuperação de movimentos de um braço partido desencadeou a entrada em circulação de um coágulo sanguíneo que, ao alojar-se no pulmão, provocou a morte do sinistrado.
Fratura causa morte
Um trabalhador ficou acamado com a perna imobilizada sem que lhe fosse ministrado um determinado fármaco. Morreu de embolia pulmonar e o tribunal considerou, em 2008, haver um nexo causal entre o acidente de trabalho e a morte.