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A reforma da floresta, aprovada em maio de 2020, começa a sair do papel, com a criação de Áreas Integradas de Gestão da Paisagem, que terão a seu cargo Planos de Reordenamento e Gestão da Paisagem. A nova floresta, diz João Paulo Catarino, secretário de Estado da Conservação da Natureza, Florestas e Ordenamento do Território, será remunerada pelo serviço ecossistémico que presta ao planeta.
Das várias fontes de financiamento, quanto dinheiro haverá para a floresta?
O financiamento para a floresta não é um problema. Não falta dinheiro para investir na floresta. A preocupação é que chegue aos territórios que mais precisam. Infelizmente, não tem acontecido. A hierarquia das candidaturas era feita a nível nacional. Nos cem milhões [de um aviso que fechou em dezembro], 70 já foram regionalizados.
Pode dar uma noção do valor total que existirá?
O Instrumento de Recuperação e Resiliência (IRR) terá 665 milhões e a expectativa é que o próximo quadro comunitário seja semelhante ao atual, de 1,2 mil milhões. Do Fundo Florestal Permanente, 80% são para programas que temos há mais tempo. No Fundo Ambiental, tem mais acesso desde que passou da Agricultura para o Ambiente.
Há um desconforto entre os ministérios do Ambiente e da Agricultura na negociação da PAC em Bruxelas. Como se resolve?
Não há um desconforto. O PDR [Programa de Desenvolvimento Rural] é gerido pela Agricultura. Mas a própria União Europeia [quer investir] 30% da PAC com uma componente ambiental. Isso ajuda Portugal: nós [Ambiente e Agricultura] já iniciámos o processo negocial. As negociações são feitas pelos dois ministérios e lideradas pela Agricultura. Tem existido uma excelente relação. Esse mau-estar é mais dos agentes externos do que dos ministérios.
No próximo quadro de apoio, vai ter a gestão dos fundos para a floresta?
A responsabilidade pela aplicação da componente florestal será do Ministério do Ambiente. Já estamos a conferir ao Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) responsabilidades para analisar candidaturas e ter um papel mais ativo na gestão da componente florestal.
As Zonas de Intervenção Florestal (ZIF) lamentam não ter apoios. Haverá?
Vai haver. Há matérias que queremos delegar nas organizações de produtores florestais, pagando por esse trabalho. Temos 14 Áreas Integradas de Gestão da Paisagem (AIGP) propostas, abrangendo cerca de 31 mil hectares, e brevemente serão mais. Assumimos o compromisso de 20 em 2021 e cerca de 90 na vigência do IRR. Durante dois anos, pagamos a técnicos para fazerem o cadastro simplificado e um projeto [de Reordenamento e Gestão da Paisagem]. Uma AIGP tem forçosamente de se candidatar a uma operação de reordenamento de paisagem. Só para a instalação, se tudo correr como esperamos, em 2021 vamos contratualizar à volta de 25 ou 30 milhões de euros. Depois, vamos pagar entre 80 e 140 euros por hectare e por ano, durante 20 anos. Uma parte terá de ser entregue ao proprietário.
O arrendamento forçado já foi regulamentado?
No início de março deverá ser aprovado. É só para os casos em que o Estado paga o projeto, dá apoio durante 20 anos e, mesmo assim, o proprietário não faz nem deixa fazer. As ZIF foram uma excelente ideia que pecou pela descontinuidade, pelos não-aderentes (a zona ficava como o queijo suíço); e pela intermitência ou falta de apoio. No novo quadro, queremos continuidade, a médio e longo prazos.
Que percentagem do território relevante será abarcada pelos Programas de Reordenamento e Gestão da Paisagem?
Os 90 programas representarão cerca de 200 mil hectares, 20% do território. É experimental, mas, se com os 230 milhões do IRR provarmos que funciona, será fácil ajustar o quadro comunitário.
As tabelas de referência não refletem o real custo das matérias. Vão mudá-las? E subir os níveis de comparticipação?
Já foram revistos, já levámos ao limite máximo que a União Europeia permite, de 95%. E vamos rever os valores unitários. Até são generosos numas regiões, mas são reduzidos noutras. Já há uma diferença, mas tem de ser muito maior.
Os projetos de serviços ecossistémicos, no Tejo Internacional e na serra do Açor, correm bem?
Foram os primeiros, há com certeza coisas a melhorar. A nossa intenção é fazer pagamentos ecossistémicos por via das AIGP. Fazem mais sentido de uma forma integrada do que com estas candidaturas.
As candidaturas já entregues vão avançar?
Sim, se houve um aviso, vão avançar.
Caça de cercão como na Torre Bela poderá ser proibida
O que aconteceu na Quinta da Torre Bela é ou não permitido pela lei?
Há fortes indícios de que foram praticadas várias irregularidades e ilegalidades. O processo está a correr. Se tiverem sido cometidas, vão ser apuradas e sancionadas. O que se passou é uma prática que tem aumentado em Espanha e está a passar para cá, os "cercões", aliar a pecuária à caça: espécies cinegéticas criadas de forma intensiva para serem abatidas. É contra a ética da caça e vamos proibi-lo. É uma das razões que nos levam a mudar, não a lei da caça em si, que responde às necessidades, mas a regulamentação.
Qual será o sentido das alterações à lei da caça?
Será necessário reportar mais informação ao ICNF e entidades fiscalizadoras. Há uma montaria no sábado: na sexta têm de a comunicar por uma plataforma online e a GNR fará uma amostra para fiscalizar. Na capacitação técnica, as entidades gestoras terão de ter um responsável técnico. Não precisa de ser um engenheiro por zona de caça, mas quem responda por todos os atos praticados numa zona de caça. Será objeto de uma contratualização com o Estado. E haverá a regulamentação e proibição de cercões. Isso não é caça! A nossa intenção é proibir ou criar regras muito claras.
E comunicar o número de animais a caçar?
A posteriori. Agora, só têm de fazer o reporte no final da época venatória. Para as espécies de caça grossa, poderão ter de o fazer no dia ou no dia a seguir à montaria. A imposição de limites por animais e pessoas já existe. A caça está pensada na perspetiva do equilíbrio dos ecossistemas. Só podemos caçar o que estiver a mais.
Disse que, se se apurarem ilegalidades na Torre Bela, haverá consequências. Uma será o chumbo do projeto fotovoltaico?
Eu separaria as duas coisas. Nada garante que aquilo já não tenha acontecido lá, antes. Desta vez foi público. A questão dos painéis fotovoltaicos... a única coisa interligada é a necessidade de retirar os animais, mas podiam retirá-los para o lado.
Aproveitaram para ganhar dinheiro...
Eu não relacionaria uma coisa com a outra. Até prova em contrário, o que estava em questão era retirar parte substancial dos animais (acredito que sim), mas podiam tê-lo feito de outra forma e não teriam violado a lei. Mas se se chegar à conclusão que abateram um conjunto de sobreiros sem autorização, aí provavelmente terão grandes dificuldades em licenciar o parque. Pode acontecer. Está tudo a ser avaliado. v