O antigo ministro da Defesa, João Gomes Cravinho (atual ministro dos Negócios Estrangeiros), afirmou esta quarta-feira, na Assembleia da República, que a autorização da empreitada de reabilitação do Hospital Militar de Belém foi uma "decisão tomada no contexto de emergência" ditado pela eclosão da pandemia e garantiu que "não foi solicitado" à tutela o aval para a realização de trabalhos extra no equipamento, que acabaram por ser promovidos, à revelia do ministério, pelo então diretor-geral de Recursos da Defesa Nacional, Alberto Coelho, através de adjudicações para as quais não tinha competências.
Corpo do artigo
O governante lamentou ainda ter nomeado este alto quadro da Defesa para o cargo de dirigente da Empordef, uma empresa pública da área.
"Sabendo o que sei hoje, não o teria nomeado para outras funções", assegurou Gomes Cravinho, que não reconduziu Alberto Coelho na Direção-Geral de Recursos da Defesa Nacional (DGRDN) após ser informado das "inconformidades legais" alegadamente cometidas pelo alto quadro da Defesa no processo de reconversão do antigo Hospital Militar de Belém em centro de apoio covid-19. "Claro que foi um erro", reconheceu o governante, que durante a manhã foi ouvido, a par do secretário de Estado da Defesa, Marco Capitão Ferreira, pela comissão parlamentar da Defesa Nacional, no âmbito do alegado esquema de corrupção que envolveu, entre outras, as obras do Hospital Militar e que, na sequência da operação "Tempestade Perfeita", levou, no início de dezembro, à detenção de altos quadros da Defesa suspeitos de terem lesado o Estado em milhões de euros, através da adjudicação de obras fictícias.
A audição, requerida pelo grupo parlamentar do PSD, visou esclarecer questões que não foram clarificadas no debate de urgência em reunião plenária realizada no passado dia 20 de dezembro, sobre a derrapagem orçamental verificada nas obras do Hospital Militar, que dispararam dos 750 mil euros para os 3,2 milhões de euros. O deputado social-democrata Jorge Paulo Oliveira sublinhou que se tratou de "uma brutal derrapagem da empreitada", e afirmou que, "politicamente, o senhor ministro autorizou o acréscimo de despesa e validou todas as obras". A acusação seria depois reiterada pelo deputado do Chega, André Ventura, mas Gomes Cravinho responderia que "não houve nenhuma autorização por parte da tutela para esta escalada de custos".
"A estimativa inicial de despesa teve uma escalada muitíssimo elevada, para o triplo, sem que a tutela, eu ou o secretário de Estado, Jorge Seguro Sanches, tivéssemos sido sequer informados", vincou o atual ministro dos Negócios Estrangeiros, explicando, a propósito de um ofício recebido a dar conta de trabalhos a mais que fariam subir o custo da obra para os 1,7 milhões de euros, que "invocar uma possibilidade de despesa não equivale a um pedido de autorização".
Questionado por Ventura e pelo deputado da Iniciativa Liberal Rui Rocha sobre as providências que tomou quando confrontado com a primeira derrapagem da obra, Cravinho respondeu que tal "não é inteiramente surpreendente, atendendo às circunstâncias que se viviam, e é dentro de uma ordem de grandeza que também não surpreende face àquilo que é habitual num quadro em que tinha sido identificado com grande rapidez a necessidade da obra". O antigo Ministro da Defesa referiu que havia "um diálogo permanente com a DGRDN", mas destaca, contudo, que acabaria por verificar que se tratava de "um diálogo algo omisso, porque as informações que a Direção-Geral deveria enviar não enviou. Foi enviando informação escassa e desorganizada, que era, entre aspas, para entreter o poder político enquanto procedia às adjudicações". "O relatório da IGDN [Inspeção-Geral da Defesa Nacional] concluiu claramente que foi o DGRDN a escolher o tipo de procedimento, quais as entidades a convidar, e foi ele a fazer a adjudicação", frisou o governante.
Joana Mortágua, do Bloco de Esquerda, insistiu na questão da nomeação de Alberto Coelho para a Empordef, em relação à qual Gomes Cravinho esclarecera que, à data em que a mesma foi efetuada, "não tinha elementos que permitissem pensar em má-fé" no processo da conversão do Hospital Militar. "Não se suspeitava, naquele momento, de qualquer ação de natureza criminal", recordou o ministro, referindo que "a Inspeção-Geral não antecipava a gravidade do que estará agora em investigação".
Sobre o destino a dar ao antigo hospital, foi Marco Capitão Ferreira quem respondeu ao deputado comunista João Dias, adiantando que está a ser estudada uma "utilidade funcional no âmbito do serviço de saúde militar" para o edifício.
Recorde-se que a operação "Tempestade Perfeita" foi desencadeada em dezembro pela Polícia Judiciária (PJ), em coordenação com o Ministério Público, e resultou em cinco detenções, entre as quais três altos quadros da Defesa e dois empresários, num total de 19 arguidos. Um dos cinco detidos é o ex-diretor-geral de Recursos da Defesa Nacional Alberto Coelho, alegadamente envolvido na derrapagem nas obras de requalificação do Hospital Militar de Belém.