O ministro dos Negócios Estrangeiros recusou, esta terça-feira, aceder ao pedido do PSD para que se demita, devido ao caso da derrapagem das obras do Hospital Militar de Belém. João Gomes Cravinho disse ver "muitas insinuações" no discurso dos sociais-democratas, mas "nada" de concreto que o faça deixar o Executivo. Também negou ter autorizado a derrapagem.
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"Vejo muita jactância mas, em termos concretos, nada", afirmou o agora ministro dos Negócios Estrangeiros, na comissão parlamentar de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas. Recorde-se que a derrapagem das obras do Hospital Militar, de 750 mil euros para 3,2 milhões, ocorreu quando Cravinho tutelava a pasta da Defesa.
Momentos antes, João Montenegro, deputado do PSD, tinha afirmado que o governante em causa "não tem condições" para se manter no cargo, uma vez que, embora tivesse garantido ao Parlamento não ter tido conhecimento da derrapagem das obras, "afinal sabia" do sucedido. "Um ministro que falta à verdade na Assembleia da República não tem condições para continuar no exercício do cargo", insistiu.
Cravinho, que tinha quase três minutos para responder, despachou o tema em cerca de um minuto. À acusação, feita pelo social-democrata, de que teria "omitido informação" ao Parlamento, limitou-se a responder: "Quer concretizar? Gostava de ouvir".
Mais tarde, ao ser interpelado pela IL, disse sentir que continua a ter "todas as condições" para se manter no Governo: "Se não achasse, já teria apresentado a minha demissão e já me teria ido embora", afirmou o ministro.
Cravinho nega que ausência de resposta tenha sido autorização "tácita"
O PSD voltaria à carga, desta feita pela voz de Paula Cardoso. Embora dizendo acreditar que Cravinho não autorizou a derrapagem, a parlamentar duvidou que essa autorização não lhe tenha sido solicitada. "Foi informado, a informação gera conhecimento e o conhecimento gera responsabilidade", realçou.
Em resposta, Gomes Cravinho ironizou acerca da "criatividade" na "análise jurídica" que os sociais-democratas fizeram do caso. O ministro argumentou que o ofício que, na altura, lhe foi enviado sobre a derrapagem não é, "em nenhuma circunstância", um pedido de autorização.
Para que se pudesse concluir que houve autorização da sua parte, frisou João Gomes Cravinho, seria necessário que o documento em causa tivesse "uma cabimentação, uma identificação de fonte de financiamento e um compromisso associado à cabimentação". "Não é dizer: 'isto vai custar mais do que nós pensávamos, achamos que vai custar mais um montante e talvez mais outros montantes, depois logo se vê'. Isso não é um pedido de autorização", vincou.
O ministro também contestou a ideia de que a ausência de resposta da sua parte ao ter sido informado signifique que, "tacitamente", a derrapagem estaria aprovada.
Chega também quer demissão, IL fala em ministro "fragilizado"
André Ventura, do Chega, também considerou que Cravinho "já não deveria estar" no Governo. Contudo, ao contrário do PSD, o deputado disse estar convencido de que o ministro deu mesmo autorização para que a derrapagem ocorresse.
Ventura revelou suspeitar que Cravinho "mentiu" ao Parlamento quando, numa primeira instância, teria dito não ter sido sequer informado de que os custos da obra iriam resvalar. "Eu não disse isso", contrapôs o ministro, acusando o líder do Chega de estar a fazer "um esforço claro para baralhar as pessoas". E, mais do que "achar" que houve mentira, "é preciso mostrar", atirou.
Rodrigo Saraiva, da IL, considerou que o agora ministro dos Negócios Estrangeiros tem a "autoridade política fragilizada", o que torna "complicado" continuar a exercer o cargo. O deputado também quis saber se Cravinho sente ter "condições" para se manter no Executivo, tendo este respondido de forma afirmativa.
Esquerda também tem dúvidas
Joana Mortágua, do BE, quis saber quem autorizou a derrapagem, uma vez que o ministro nega tê-lo feito. Também quis saber por que motivo Cravinho terá escrito no despacho "avançar a todo o gás" e, ainda, a razão pela qual não travou a nomeação de Alberto Coelho - ex-diretor-geral de Recursos da Defesa Nacional e arguido na operação "Tempestade Perfeita", relacionada com as obras no Hospital Militar - para a Empordef, empresa pública da área da Defesa.
Em resposta, Cravinho disse que o pedido para que a obra avançasse "a todo o gás" foi feito a 20 de março de 2020, ou seja, um dia após a aprovação da obra e numa altura em que não existia "nenhuma questão relacionada com a despesa". Além disso, lembrou, também havia urgência dada a chegada da pandemia. Quanto a Alberto Coelho, referiu que a nomeação ocorreu numa altura em que não existiam suspeitas sobre a idoneidade da pessoa em causa.
Bruno Dias, do PCP, considerou que o ministro terá de dar "indispensáveis esclarecimentos" sobre o caso do Hospital Militar. No entanto, remeteu mais perguntas para um momento posterior, lembrando que a comissão em causa trata de assuntos dos Negócios Estrangeiros e não de Defesa.
Inês Sousa Real, do PAN, também levantou dúvidas acerca do processo de nomeação de Alberto Coelho para a Empordef. Sobre os sucessivos reparos do presidente da comissão, o socialista Sérgio Sousa Pinto, quanto ao facto de as questões dos deputados estarem a fugir ao âmbito da reunião, a parlamentar considerou que, se o ministro tivesse abordado o caso do hospital com "maior clareza" num primeiro momento, não estaria agora a ser confrontado com todas estas dúvidas.
No início dos trabalhos, e depois de dois deputados do PSD terem optado por abordar o caso do hospital em vez de fazerem perguntas relacionadas com a política externa, Sousa Pinto lamentou que as questões colocadas estivessem "a anos-luz" do âmbito da comissão. No entanto, reconheceu não ter poder para decidir sobre o teor das intervenções dos deputados: "Se quiserem usar o tempo para recitar o Alcorão, não os posso mandar calar", ironizou.